30 de janeiro de 2011

"Sociedade, essa raça tão louca ..."

    
Há algumas semanas atrás resolvi assistir ao filme Na Natureza Selvagem (Into the Wild), por indicação de um amigo. Feliz idéia, há tempos não via algo que ao mesmo tempo tinha roteiro, fotografia e atuação bons, além de me fazer pensar, e pensar muito, quase até o ponto do esgotamento mental. Válido comentar também a trilha sonora original incrível escrita por Eddie Vedder a convite do diretor do filme, ninguém menos do que Sean Penn.

     Mas enfim, indo ao que interessa, o filme levantou pontos importantes nas minhas idéias, coisas que eu pensava e repensava, conceitos sobre sociedade, relações pessoais, liberdade, etc. Somando a tudo o fato de se tratar de uma história real, cria todo um peso emocional que me faz admirar profundamente a pessoa que foi Christopher McCandless. Mas sem mais delongas, não faço aqui nenhuma resenha ou crítica do filme, apenas apresento ele como forma de falar sobre o que realmente ele me fez pensar.


     Crhis demonstra perfeitamente o exemplo de alguém que se sente deslocado, na vida em geral, ele de forma alguma consegue suportar o que para ele parece ser uma sociedade que vive uma grande mentira. E é dessa mentira que se procura escapar constantemente, as pessoas mergulhadas nessa letargia absoluta muitas vezes preferindo aderir à padrões a fim de se sentirem parte de algum todo, de alguma "tribo". Temos essa falsa impressão de que vivemos juntos e somos irmãos ao mesmo tempo que todos são individualizados completamente e postos em uma "arena" social todos os dias a fim de combaterem por seu quinhão. E qual a saída encontrada muitas vezes? Se isolar ainda mais, McCandless o faz, e vai mais longe. Se reinventa como Alexander Supertramp, rompe esse cordão umbilical tão forte que ainda nos une com esse todo tão pobre moral e ideologicamente. Resolve viver sozinho, ele e a natureza. A única forma de se "purificar" completamente dessas marcas sociais já tão impregnadas em todos nós. Isolamento completo, e faz parecer simples a decisão.


     E esse distânciamento as vezes parece tão tentador, quando se pensa, pensa, e parece não se achar um lugar que nos veja como "normal". Há certos momentos em que fica difícil aguentar a hipocrisia que toma conta da nossa volta. As pessoas, a falsidade, o distânciamento através de relações com a profundidade de um prato raso. Pra quem pensa demais, a sociedade se torna um fardo a carregar, uma constante diária de afastamento que as vezes dificulta a própria comunicação consigo. Porque invariavelmente as pessoas tem preguiça de pensar, elas não querem questionar.

     Me sinto incomodado com isso, quero na minha volta quem tenha idéias diferentes, quem não queira ser mais um na multidão. Porcuro a excessão e não a perfeição. Mas me parece que hoje em dia as excessões cada vez mais se tornam escassas e parece cada vez mais inútil tentar commbater a ignorância, a apatia e controle massificados. É exaustivo se ver sozinho, não "na natureza selvagem", mas "na sociedade selvagem". Essa tão falada e já descrita por muitos como "selva de pedra".

         "Happiness only real when shared." (A felicidade só é real quando compartilhada)

     Talvez a frase mais simples de McCandless, mas uma que mais me fez refletir. Somos seres culturamente sociais, precisamos de outros, talvez as coisas não estejam funcionando de modo perfeito, mas é como as molas dessa engrenagem aprenderam a rodar. Jack Kerouac fala em um de seus livros que o homem precisa pelo menos uma vez na vida passar por essa experiência de estar "sozinho no topo da montanha", e eu acredito que seja verdade, sozinhos talvez tenhamos a serenidade e a paz necessários para nos encontrarmos, não de modo filosófico respondendo a perguntas primordiais sobre quem somos e a que viemos ao mundo. Mas de modo bem prático, pensando e repensando nossa posição perante a sociedade, nosso ponto de equilíbrio que nos diferencia dos animais ditos irracionais, e ponderando finalmente se estamos fazendo o bastante. Seja caminhando pelas estradas pedindo carona ou dentro de um quartinho repleto de idéias citando novamente Keruac. Talvez o segredo esteja aí, não abandonemos as idéias ...

10/05/2009 - 14:52

26 de janeiro de 2011

Uma história diferente ...


    Contar histórias é uma atividade realmente interessante, a imaginação voando, tranquilamente. Lembranças, fatos, invenção, todos ingredientes nas nossas histórias diárias. Sim, somos todos contadores e viventes dessa nossa história de vida, somos testemunho e prova viva das marcas que ela nos deixou e definitivamente tornará a deixar.
    Temos em mãos diariamente então, uma folha e um lápis, ou então simplesmente a nossa voz, somados à imaginação. E os ouvidos e olhos do tempo nos escutam e lêem, ávidos, como uma criança ao ouvir dos pais uma bela história antes de dormir. Por vezes essa nossa folha não se encontra necessariamente em branco. Há momentos, épocas inteiras, em que basta preencher determinadas lacunas, o resto está la. Há tempos também em que apenas colocamos os pontos, como uma interrogação no fim daquela pergunta importante que já esta lá, basta ser dita. E até mesmo um ponto final, onde sabemos que deve haver um, porém cabe a nós colocá-lo.
    E como essa nossa história é incrível, em geral ninguém se chama de princípe ou princesa, ou rei e rainha, os que possuem esse título oficialmente são poucos, mas cada um assume esse papel, controlando o seu destino. As princesas não usam vestidos gigantes nem rostos tristes em uma torre longínqua, e os príncipes definitivamente não usam espadas e cavalgam cavalos brancos. Os dragões a serem combatidos tem formas bastante diferentes também, se espalham pelo mundo inteiro, e em alguns lugares tem uma certa tendência a se assentar nos planaltos, principalmente os centrais. Eles não cospem fogo, em geral são umas siglas como ICMS e IRPF. A maioria das pessoas nem sabe o que significa e como é, mas ja aprendeu que queima igual fogo, e dói.
    A magia nessa história também funciona de um jeito bem diferente, ela não tem cores e brilhos, e definitivamente, os animais não falam na nossa língua, apesar de, muitas vezes, conseguirem nos fazer enteder exatamente o que querem apenas com um olhar. Nessa história as abóboras não viram carruagens, mas continuam sendo ótimas quando bem preparadas. A magia é tão misteriosa que é invisível, tanto que tem gente que com o passar dos anos cresce e, por nunca ter visto ela fisicamente acaba acreditando que ela nem existe mesmo. Ninguém sabe voar, mas tem gente, uns poucos loucos o bastante, que tem uma imaginação tão gigantesca que pode-se jurar que de vez em quando conseguem sair do chão por horas e horas. Até os pombos correio são diferentes. A gente manda uma mensagem e, em segundos, ela é entregue, em qualquer lugar, a qualquer hora. Como eu disse, a magia é estranha.
    Oura coisa bastante diferente é que as pessoas não cantam o tempo todo, principalmente quando estão tristes. Ainda assim pode-se ver alguns poucos as vezes, que parcem ter perdido a razão pois não teriam nenhum motivo para estarem felizes mas passam o dia inteiro assobiando ou murmurando uma canção. Mas mesmo com todos os problemas, sempre surge gente pra cantar pelos que estão ocupados demais. Por sinal, há tempos atrás quatro caras comuns de um reino distante chamado Liverpool ficaram bem conhecidos porque faziam isso como niguém. E além deles, muitos outros se dedicam a fazer pelas outras pessoas o que elas mesmas se sentem muito ocupadas para fazer.
    Outra particularidade nessa história tão diferente é que depois que o príncipe e a princesa se encontram e até se casam, geralmente a gente não encontra em lugar nenhum a tal frase: "e eles foram felizes para sempre ...". Na verdade muitas vezes eles acabam nem ficando juntos por muito tempo, e "para sempre" acaba por ser tempo pra caramba. Essa história parece ter ficado tão populosa e com tantos personagens, que acaba ficando difícil se fixar em um só, escolher um só, e assim as pessoas não se encontram, os seis bilhões de pessoas nesse reino, não se encontram. Simplesmente se juntam e se separam desenfreadamente. Assim o "felizes para sempre" se transforma em "relativamente estáveis por alguns anos".
    E a fábula diferente vai continuando, infindável. Mas mesmo com todas as suas enormes diferenças dos contos de fada, o que muda, de fato, são seus personagens e autores. Para uns ela é um jogo, para outros um livro, uma pintura ou um filme, e até uma enorme festa. Vivemos a nossa história, em tempo real. Então, que não tenhamos medo de usar a imaginação, que nos lembremos das fábulas de nossa infância. Não assassinemos a magia com nossos medos, cansaço e desesperança. E não nos esqueçamos que a princípio, tudo que uma história precisa para se tornar boa e real, nem que seja por alguns minutos, é que haja alguém disposto a usar um pouco de sua imaginação, e contá-la.

                                    24/08/2009 - 05:33

25 de janeiro de 2011

Mudanças ...


 “How many special People change ...”

Mudanças, somos seres extremamente instáveis. Nós humanos dificilmente mantemos nossos sonhos e vontades intactos durante intervalos muito grandes de tempo, e isso dificulta imensamente nossas possibilidades de encontrarmos a tal felicidade que tantos buscam. Nós sempre buscamos mais, e desitimos mais e nos modificamos mais. Somos livres para ser o que quisermos. Por vezes escolhemos ser o igual, o montado, por outras escolhemos o original, o inesperado.

Busca-se felicidade. Como estrelas crescemos, nos enchemos de energia, nossa luminosidade aumenta, muitas vezes nos tornamos gigantes, até que a energia acumulada se torna tão grande e insuportavelmente forte que explodimos, como uma supernova, deixando rastros quase eternos no (nosso) universo. Somos capazes dessas mudanças, dessa luminosidade. Parecem haver apenas as duas opções, a de brilhar intensamente por alguns segundos ou a de nunca alcançar um acúmulo energético tão grande e apagar aos poucos, perdendo calor, e se apagando calmamente sem grandes atenções voltadas.

E assim continuamos, nessa constante mutação, acúmulo e liberação de energias, esse ciclo quase infinito de inquietude ou calmaria. Assim funcionam nossos sentimentos, amizade, alegria, amor, tristeza, saudade, nessa mistura de elementos, fundindo, solidificando e evaporando em nossas vidas, marcando nossos corpos, nossos universos próprios, com seu brilho, seja ele intenso ou apenas uma longínqua estrela prestes a se apagar.

Ahhh esses sentimentos. Esses mundos que se formam, coadjuvantes por vezes, e por outras tão importantes. No final das contas o que realmente importa é que eles entrem no palco, e completem seu papel, há os que vão ser ovacionados em pé no final da peça, orgulhosos e altivos por tudo que fizeram e representaram. Mas há também aqueles que quietos, apenas irão se manter ali, sozinhos no centro do palco, sem aplausos, esperando que a cortina se feche, para finalmente se apagarem e se tornarem poeira estelar ...

22/05/2009 - 12:22

22 de janeiro de 2011

Um pouco de tranquilidade ...


 
    Tranquilidade, as vezes é só o que as pessoas pedem, aquela calmaria, sem vento nas velas, o barco parado no meio daquele mar imenso e é bom estar ali, sem olhar para os lados ou se preocupar com a distância do horizonte ou da terra firme. É bom estar ali e olhar para o céu, encarar as nuvens com um sorriso brincalhão, sorriso de criança que fica olhando para elas e imaginando as coisas e cenas mais diferentes possíveis, encarar também as estrelas com olhos de sonhador, olhos curiosos descobrindo em cada uma uma particularidade, se apaixonando por essas peculiaridades e brilhos diferentes com a certeza de que essa paixão nunca irá terminar, da mesma forma com a qual se apaixona-se pelas particularidades e peculiaridades das pessoas.
    É tão boa essa sensação de leveza, de flutuar no mar sem pensar na tempestade ou no sol que passaram e ainda podem ressurgir, sem lembrar da tristeza, sem se tornar um extremo otimista e irrealista por causa dos sucessos. Apenas tranquilidade, paz e nada, felicidade e tranquilidade por absolutamente nada, apesar de certas certezas que trazem calma ao espírito. Aquela satisfação por olhar o mundo sem medo e encarar de peito aberto o que possa vir no futuro. Aquele otimismo dos que tem moderação e acreditam que coisas boas virão mas não necessariamente tudo o que se espera.
    Ahhh essa tão desejada tranquilidade, tão real, tão palpável e ao mesmo tempo traz o medo de que termine de uma hora para outra, pois tudo nesse mundo é extremamente mutável, todas as interconexões que nem se imagina que existem trabalham silenciosamente por baixo dos panos, os acontecimentos conectados por esses fios invisíveis que alguns chamam destino e outros chamam acaso. Os sorrisos que ainda hão de vir dão medo sim, tanto medo quanto as lágrimas, as versões novas das mesmas músicas tristes. Porque certas repetições são inevitáveis, certos erros e acertos iguais devem vir a acontecer. Mas no momento da calmaria tudo que se quer é que ela continue, que o mar siga sem ondas, mesmo que o barco fique sem rumo, apenas vagando numa direção qualquer, e sempre nos lembremos que essa calmaria depende a princípio apenas da vontade de quem controla as amarras e o leme da própria vida.

                                    17:56 - 16/01/2009

21 de janeiro de 2011

O Peso ...


    Será que a formiga de fato aguenta tranquilamente aquele peso todo que a gente vê ela carregar, enfileirada atrás das outras? Será que no fundo, lá dentro, ela não sente a força nas perninhas fraquejar? Nem que seja por poucos segundos? Eu acho que sim, acho que as formigas cansam as vezes, como nós. Há momentos em que aquela folha gigante carrega com ela o peso do mundo inteiro, gravidade, problemas, planos, humor. E a gente cede, meio milímetro. E isso já é suficiente pra toda a cadeia ser posta em risco. Esse meio milímetro que a gente cede necessita então de um esforço dobrado na hora de ser reerguido, até triplicado.
    O mundo as vezes age assim. Fecha as portas, o sorriso se desfaz, as placas dizem que "não há vagas". E assim a rotina continua.

    O homem entra no bar, ele aparenta estar na casa dos 60 anos de idade, mas a barba longa torna suas feições talvez um pouco mais velhas e carrancudas, o vento da rua faz barulho e em alguns segundos cessa quando ele fecha a porta. Se senta em uma mesa e pede uma dose de whisky. Então ele abre um livro e começa a foleá-lo como que procurando por alguma parte ou frase mas sem muito sucesso. Dois garçons perto dali estavam conversando, um mais novo pergunta ao mais veterano:
    - Desde que comecei a trabalhar aqui eu vejo esse homem vindo pra cá ler, ele já faz isso há muito tempo?
    - Todo dia é igual, ele chega aqui mais ou menos no fim da tarde, pede um whisky e fica foleando algum livro aleatório, anota frases, parece que vem pra cá só pra ler. E isso deve fazer mais de 2 anos se não me engano.
    - Sério? Estranho isso, e nunca é o mesmo livro?
    - Geralmente muda, mas as vezes ele vem com o mesmo livro por dias a fio.
    O homem com certeza não nota que está sendo observado, continua a folear seu livro, como se estivesse estudando ele. Os olhos do homem ganham um brilho estranho enquanto ele se detém naquele ritual. Ele, o livro, e o whisky. O último vai se esgotando a goles mínimos de tempos em tempos.
    Após algumas horas um dos garçons, o novato pergunta ao veterano:
    - E o que esse homem faz da vida? Tu sabes? Alguma vez ele entrou aqui acompanhado?
    - Olha já me disseram que ele costumava ser escritor, poeta, essas coisas. E dizem que era dos bons. Mas não sei se é verdade. E nunca vi ele com ninguém por aqui não, sempre sozinho, lendo algum livro, e rabiscando aqueles caderninhos. Dizem que é meio louco sabe?
    O garçom mais novo não conseguiu esconder a curiosidade sobre aquele homem que se encontrava ali, quieto, lendo, e escrevendo. Passado algum tempo, já perto da hora do bar fechar ele resolve ir tentar falar com o homem.
    - O senhor me dá licensa?
    - Hmmm, pois não?
    - Eu fiquei notando que o senhor sempre vem aqui no mesmo horário, lê algum livro e fica sentado quieto. Peço desculpas pela intromissão mas isso me chamou bastante a atenção.
    - Pois sim, é um hábito que eu tenho há algum tempo.
    - E me disseram que o senhor é escritor, é verdade?
    - Ja fui, mas há anos que não escrevo nada próprio.
    - E por que não?
    O homem mais velho nota o interesse cada vez maior do jovem garçom e, assim, fecha seu livro e resolve dar a ele um pouco mais de atenção.
    - Sabe, aqui é o momento em que eu posso me sentir um pouco mais tranquilo. Eu não tenho mais muita coisa nessa vida, nunca tive filhos, perdi minha mulher há dois anos, e com ela toda minha vontade de produzir qualquer coisa. Sobre o meu trabalho, acho que nunca escrevi algo que eu realmente tenha me orgulhado. Se o fiz, não posso dizer, acho que perdi também todo meu orgulho no momento em que perdi ela.
    - Nossa ... meus pêsames
    - Tudo bem, essas coisas acontecem, infelizmente eu não consegui me levantar, esse peso nunca saiu de cima de mim. Me acostumei com essa derrota
    - Mas ouvi dizer também que o senhor era bem bom escrevendo.
    - Bem bom é bastante relativo não é? Questão de opinião. Talvez eu tenha já produzido algo "bem bom", mas minha vida foi me parecendo cada vez mais vazia com o passar do tempo, eu não tinha mais nenhuma inspiração própria. Como falei, há dois anos me livrei de qualquer orgulho ou vaidade. Acabei por desistir disso, resolvi só apreciar o trabalho dos grandes enquanto tomava minha dose quieto num canto.
    - E esse livro que o senhor está lendo agora, qual é?
    - Grandes Esperanças, Charles Dickens, é interessante, fala sobre um garoto pobre, que muda de vida rapidamente. Assim como foi comigo, as pessoas tinham grandes expectativas quanto ao futuro dele. No meu caso, nunca fui capaz de superar, nem mesmo igualar a nenhuma dessas expectativas.
    O jovem garçom, já meio sem saber o que dizer apenas tentou demonstrar uma certa simpatia a situação do velho homem.
    - Não se incomode com a minha história garoto. Talvez eu só tenha me entregado cedo demais, nesses poucos segundos tu ja me pareceu alguém bem mais otimista do que eu.
    O velho largou o dinheiro na mesa, pegou seu livro e se levantou.
    - O máximo que eu sinto poder fazer é servir de exemplo. Talvez a regra seja essa. Alguns são naturalmente mais fortes que outros. Alguns simplesmente são mais bem preparados pra aguentar essas pancadas.
    O homem sai do bar, da mesma forma que entrou. O vento ja não é tão forte quanto antes, a luz na rua já provém dos postes. E o jovem garçom fica ali pensando, no peso da vida, nos problemas, em como cada um de nós encara eles. E no quão difícil a cicatrização pode se tornar por vezes ...

19 de janeiro de 2011

Fazer o bem ...


    Afinal, o que é ser bom? É fazer o certo? Mesmo que existam milhares de definições sobre o que é certo e o que é errado, há dentro de nós seres humanos capacidades inatas de se fazer bem e mal? Será que alguem pode realmente nascer com certas predilções a ser bom ou mau? As vezes me pego questionando essa faceta da condição humana e hoje ouvi uma resposta que considerei bastante apropriada para a questão de "O que é fazer o bem?" ... fazer o bem é fazê-lo até mesmo quando não ha ninguém vendo. E isso me chamou a atenção imediatamente, me fez questionar toda idéia de sentir-se bem com fazer o bem, ou de obrigação de fazê-lo. Acho que o sentimento de retribuição não pesa, e nem deve. Para mim fazer o bem é fazer o melhor para todos, inclusive para si. É agir em favor do todo, mesmo que isso as vezes não seja tão propício.
    Acredito em nossas capacidades inatas, mas acredito principalmente no poder de escolha de cada ser-humano, na escolha de caminhos, nas ações que moldam nosso caráter desde cedo, na criação que se recebe e nas palavras que se escolhe ouvir, gravar e reproduzir. Ouço constantemente se falar que o mundo não tem jeito e que as coisas não tendem a se resolver. Acredito fortemente que isso tudo tem muito a ver com essa nossa capacidade de apreender e reproduzir informação ruim e errada, não há falta de educação no mundo, há excesso de má educação. Há uma continuidade tremenda de erros como se fossem acertos. Essa entrega insana ao errado, essa "idiocrasia" que impera e é repassada de pais para filhos com uma máscara de normalidade.
    Fazer o bem não é indicar certos e errados, é mostrar os dois lados da moeda, é educar demonstrando que pra toda ação na vida existe reação, educa-se certo quando não se impõe parâmetros, quando se da liberdade de escolha. Aprende bem não aquele que repete exemplos sem se questionar, aprende bem aquele que repete o exemplo pois refletiu sobre aquilo e entendeu que aquilo era o certo a se fazer. Há quem faça o bem pois pensa que é obrigação, há quem o faça em busca de redenção, no final das contas parece que a questão não é o agir certo ou errado, mas apenas o agir, e talvez o que mais falte nas pessoas hoje é reflexão acerca dos porquês dos seus atos, pois no fim das contas a resposta pra mim se encontra no pensar, e isso não é algo que a grande maioria das pessoas faz com frequência hoje em dia. Afinal, me parece que bem e mal não se dividem por ações e sim por intenções.

                                            28/01/2009 - 22:45

18 de janeiro de 2011

Apenas palavras ...

    É sempre interessante falar sobre a calma que me traz escrever. É uma sensação incrível que passa pelo total desespero por palavras, os dedos batendo as teclas ou corredo a folha de papel, o lápis friccionando incrívelmente rápido pra que possa seguir devidamente os meus pensamentos. E estes voam, voam entre diferentes idéias para o que escrever, voam entre tantas palavras, a fim de escolher a melhor dentre elas, para expressar exatamente o que sinto. Acho que essa sensação deve se comparar ao que um aprendiz de pintor sente ao dar suas primeiras pinceladas em um quadro. as mãos um pouco trêmulas, sem saber exatamente se aquilo que está fazendo é certo, é bonito, se de fato vai tocar alguém. Ainda assim o faz, com afinco, com vontade e esperança, de que suas pinturas, suas palavras, façam sentido longe das barreiras da própria mente.
    Há perigo nas palavras, em todas opiniões expressadas, o escritor, o aspirante a isso, aquele que expõe suas idéias, se despe em público, é preciso coragem, mas não tanta, há sempre uma borracha, um risco por cima, uma tecla que possa deletar, tudo aquilo que o escritor vê e imagina que não deveria ter dito. Ele apaga, ele edita. Mas o cerne deve se manter ali, sua idéia, ideologia, algo que hoje, por vezes, tanto nos falta. E há aqueles que esquecem das edições, não ligam para as opiniões, aqueles loucos o suficente ou apenas despertos o suficiente para quebrar as barreiras do moral e do chato. Aqueles que segundo Kerouac são os únicos suficientemente interessantes de se realmente conhecer. Aqueles que tem a missão de escrever o que deve ser escrito, de gritar o que deve ser gritado, sem pudores, sem medo, apenas instinto. Um fluxo de consciência crescente, preenchendo parágrafos e mais parágrafos de pensamentos, poesias, notícias, cartas de amor ...
    O importante é escrever, é marcar, seja em uma tela de computador, seja martelando uma folha de papel com uma velha máquina de escrever, ou riscando formas nela com um lápis. São palavras ali, atiradas em conjunto com o intuito de gravar fortemente uma idéia. As vezes me parece que essa é a forma de um escritor reforçar para si mesmo, fazer-se acreditar no que está escrevendo e pensando. Provar para si mesmo que aquilo é verdade. Que aquela música faz sentido, que a notícia é verdade, que a primavera acabou. E naqueles momentos em que ali está, pensando, editando, transformando o branco em um porção de riscos que para muitos não farão o menor sentido, ali o escritor, o aspirante, a pessoa, se sente em sintonia, não com o mundo, mas consigo. Ali ele sente compreensão, e nota que muito do que ele imagina faz sentido, nota que certas coisas simplesmente não o fazem, porque assim deve ser. Ali ele descobre mundos e realidades. Ficção se junta com materialidade, numa dança calma e desconhecida para os olhos dos outros, mas que tem sonoridade e ritmo para quem ali está escrevendo.
    Esse turbilhão de emoções me traz o ato de escrever, tanto felicidade, quanto um nervosismo, o medo da falta de idéias e, principalmente, o medo de ler e ver no papel examente o que não se desejava ver. O medo de não superar as expectativas. O simples fato de esperar demais de si mesmo, e de desgostar da própria criação. Como falei, emoções, lembranças. Mas basta encarar o papel e o medo se apaga, aquela conversa sem pronúncias começa, as vezes é demorada, é acompanhada de algo para beber, algo para fumar. A pessoa se encontra ali, parada, sozinha, no momento sublime da criação, com seu equipamento a postos e se esquece de que a idéia de criar um texto, uma crônica, uma carta, um livro, era uma meta ou uma missão. Tudo passa a ser diversão, diversão sem irresponsabilidade, mas gostosa e tranquiía. Aquele momento que para os mais afoitos se torna uma transpiração constante e uma aceleração incondicional do coração a ponto de querer ver resultados, e para outros é apenas uma calmaria. Como um bom pescador diria, pra pegar o peixe grande é preciso paciência, e um tantinho de sorte.
    E no final, ali esta ela pronta, a nossa própria criação, a sensação de um dever que na verdade não fora mais do que um passatempo. O orgulho misturado com uma leveza de mais uma vez ter marcado uma parte ínfima do mundo exterior, porém a certeza de que deixou mais uma marca gigantesca no seu prórprio mundo interior. E fica a lembrança gratificamente de que, assim como o escritor utiliza tão bem as palavras e precisa desesperadamente delas, elas também precisam dele, do contrário não passariam de rabiscos desalmados, ocos de significado, atirados e esquecidos no papel.

                                                                                    01:29 - 06/08/2009

16 de janeiro de 2011

Máscaras ...

    As vezes os homens esquecem quem são. Usam máscaras para esconder suas verdadeiras fachadas e acreditam em visões maniqueístas de pessoas profundamente boas e más. Por várias vezes é assim que agimos, é a forma que encontramos para justificar nossas mudanças de atitude, nossos vícios e exageros. Entrega-mo-nos a nossas vontades ou irresponsabilidades interiores, ao monstrinho dentro de cada um que não sabe o que é medo.
    Serão justificáveis essas faltas de auto-controle momentâneas? Essa maluquez desenfreada que abre as portas do nosso eu-interior e nos mostra nus e verdadeiros diante de nós mesmos? Não há palavras que possam descrever o quanto esses momentos nos ensinam, o quanto a vida se torna mais simples quando nos entregamos com toda nossa alma para nossos desejos mais sinceros e malucos. Controlar essa maluquez é impossível, pois se assim fosse ja não seria mais maluquez. É a entrega, do corpo, da mente, da nossa seriedade e racionalidade, é o momento em que nos tornamos mais animais do que humanos. Será o exagero um pecado tão grande que por si só ja nos castiga sem necessidade de intervenção de outras fontes?
    Invariávelmente as nossas ações voltam para cobrar certas dívidas, a afobação, a extrema vontade, a necessidade de mais, o exagero, aparecem diante do espelho. Ve-mo-nos questionando certas escolhas pelo medo de aceitar certos resultados. Estes que podem ou não ter uma influência grande no desenrolar de nossas vidas, porém em dados momentos se tornam o centro delas. O medo de certos erros alimenta esses fantasmas. E combatemos eles, pensando que queriamos apenas esquecê-los, não lembrando que somos nós mesmos quem os constrói. Ninguém combate fantasmas; pelo simples fato deles serem intangíveis.
    E é assim que nós humanos nos sentimos irracionais, vestindo a pele de um outro eu, e nos encontramos fazendo coisas que não esperávamos de nós, e é assim que devemos aprender a não julgar plenamente dados atos. É assim que aprendemos a aceitar nossos erros menores e dar importância mesmo aos erros que valem a pena serem repensados. Às trangressões maiores, aquelas que ficam marcadas em nossa alma e nosso semblante. As que curvam um pouco mais as costas dos homens que já carregam o peso de vários pecados, e as que transformam o sorriso dos mais leves em um choro de palhaço.
    Devemos aprender que um dia ou outro podemos nos despir de nós mesmos e vestir certos chapéis diferentes, que abraçar a loucura uma vez ou outra pode nos fazer entender um pouco mais do que é ser louco, e do que é ser nós mesmos, o quão semelhantes e diferentes podemos ser uns dos outros, porque no final das contas há quem possa dizer que até o Sol se disfarça de estrela durante a noite só pra ver o que a lua faz.

                            14/12/2008 - 01:03

15 de janeiro de 2011

Solidão ...



    Me atrai falar da solidão, não sentí-la, mas pensá-la. Essa solidão que vai bem além do corpo e focaliza na alma da gente. A solidão que se liga perenemente ao amor e que usa da realidade para nos mostrar as verdades dos nossos medos. Como um tapa na cara nos derruba de joelhos, nos faz pedir clemência e desejar que apenas consigamos aguentar um pouco mais. Abro as janelas, as portas interiores para que o sol entre, para que ele possa expurgar essa dor pungente, mas mais rápida que a luz e mais esguia que o vento ela foge, se esconde na minha memória, na minha racionalidade. Ali fica como um sonar, no silêncio dando sinais de que esta ali, me acompanhando de perto.
    Ahh essa falta de um porto para que os sentimentos possam desembarcar, essa calmaria em que esles se encontram no meio do mar, temerosos imaginando o quanto ainda irá demorar para que a tão desejada terra firme seja avistada. Essa incerteza de que poderão ser e causar todo o efeito que pretendem, essa necessidade de romper a barreira do mar profundo afim de descansar nos braços de alguém que queira aceitá-los e acolhê-los em seu peito. Ahh esses sentimentos solitários que ali se encontram, já tão abatidos mas com a coragem de um leão no momento em que vêem a chance e a necessidade de sê-lo.
    E por esse mar de águas escuras em que a noite parece não ter fim talvez um sentimento consiga encontrar o vento, içar as velas em direção ao porto tão querido, e lá chegando, meio perdido, talvez não encontre necessariamente quem ou o que procura. Porque o mundo assim o faz, o destino assim o quer, encontros e desencontros pelos mares e portos dessa vida. Ilusões criadas, ressoam como poesia aos nossos ouvidos, correm como crianças no parque numa manhã de sol, mas facilmente tropeçam e caem. Ao olhar para cima novamente se vê que o sol se foi e a tempestade se forma no horizonte. Essas ilusões se assustam facilmente e se misturam com a poeira da estrada para que nunca mais sejam encontradas pelo caminho, marcam como pequenas cicatrizes a alma da gente, pequenas cicatrizes imperceptíveis, mas que sempre voltam a doer quando a chuva é iminente e nos ensinam a prevê-la e preparar nossas armas.
    Ahh essa solidão, por vezes tão necessária, tão acolhedora, e por vezes tão fria e triste, que faz com que vejamos o mundo com lentes de cético, olhar pesado, coração frio, com o escudo em riste, prontos para o próximo golpe, quer ele venha de onde for, seja desferido por quem for, gigantes, titãs, enquanto nos escondermos na pele-grossa de nossa insensibilidade, nada nos machuca, nesse invólucro que nos parece tão aconchegante mas ao mesmo tempo solitário. E assim vemos que fugir da solidão ao mesmo tempo em que a alimentamos é inútil. Aprendemos que na vida os riscos que corremos são ao mesmo tempo inimigos e aliados, são companheiros de nossos sentimentos no caminho deles em busca de reconciliação, descanço e paz.

                            30/12/2008 - 15:00

12 de janeiro de 2011

Apenas algumas horas ...

    A chaleira apita com a água fervendo. O menino de susto se põe em pé para logo após voltar a brincar na varanda ouvindo os barulhos do campo, aqueles barulhos tão bons que unidos ao ranger da cadeira de balanço do vovô se tornam a mais bela sinfonia. O garoto sorri para o bom velho que responde com um sorriso bonito ao mesmo tempo em que pita seu palheiro. O vento acaricia o pomar com delicadeza, mas mesmo assim uma maçã faz questão de cair no chão. O menino corre até ela, e meio estabanado cai no chão como se mal tivesse aprendido a caminhar. Ele pega a maçã e sai a caminhar pelo campo. Começa a comer lentamente, como se cada mordida fosse uma descoberta mais e mais interessante. O menino nota que não conheçe tão bem o lugar por onde esta caminhando, olha pra trás e ve a casa na distância. Ainda consegue distinguir a silhueta do avô, sentado e fumando seu cigarro.
    Árvores estranhas, alguns barulhos diferentes, era tudo muito bonito, mas ao mesmo tempo o menino sentia uma certa ansiedade por se distanciar tanto da casa. Após caminhar um pouco e perder a noção do tempo ele se enconta num descampado enorme, deita de costas no chão e para  admirando o sol e o céu azul. O cheiro, a cor, a sensação da grama invadem os sentidos sem pedir licença e toda aquela combinação de novos sabores e sentimentos fizem com que ele adormeça ali, sozinho. O menino não sonha é tudo como num piscar de olhos, de repente ele acorda de susto, mas dessa vez não é a chaleira da avó, o céu está cinza e ao longe os relampagos dão o tom.
    Então que ele corre, corre até não sentir mais as frágeis pernas, sem pensar para onde está indo ou por que se dirige naquela direção. A natureza não mais apresenta-se em tons alegres e receptivos, o menino tropeça, desvia de galhos. Ele não entende por que aquelas mesmas árvores que pareciam tão boas e cheias de vida agora parecem más. A mesma felicidade que elas pareciam lhe trazer, agora querem lhe tirar. O menino então vê uma árvore diferente, tem no tronco uma abertura grande, nota que ali ficaria protegido da chuva. Senta com as mãos abraçadas nas pernas e a testa escorada nos joelhos, fecha os olhos e tenta lembrar dos momentos que passou enquanto caminhava por ali mais cedo, da felicidade e do turbilhão de sentimentos e sensações que havia presenciado e vivido. Seus sentidos se perdem e, sem saber dizer por quanto tempo ficou naquele estado de torpor, desperta com o canto de um pássaro azul.
    Caminhava agora sem medo, e alguns passos adiante la estava a casa, com a figura do avô dessa vez somada a da avó e de seu pais, todos reunidos conversando. A casa se encontrava igual, poucas horas haviam se passado, nada havia de fato mudado, mas de certa forma o menino sentia que nada nunca mais seria como antes ...

                            21/09/2008

11 de janeiro de 2011

Pois por vezes somos ilhas ...

 
 
   "Nenhum homem é uma ilha", é, mas essa liberdade passageira. Essa necessidade enorme e fulgaz que faz querer ser livre parece as vezes necessária. E por livres pensa-se em ser sem amarras, sem grilhões. Preza-se a solidão como uma ferramenta que leva de encontro à estradas mais novas. Como aquele momento de vanguarda em que se desperta em busca de novos caminhos e de auto-conhecimento. Preza a solidão quem está bem consigo e gosta do som dos próprios pensamentos, quem sabe dar-lhes ouvidos, quem sente que ao fechar os olhos não vai simeplesmente parar de pensar.
    A verdade é que isso tudo lembra o que ja foi dito sobre "fazer o bem é fazê-lo mesmo quando não há ninguém vendo". Mas de fato quais ações de uma pessoa ela pode afirmar que são completamente voltadas a ela mesma? Somente o que se faz na solidão, somente o que se pensa e não se divíde. Se é verdadeiramente o que se é somente quando se está sozinho. Deve-se limpar da mente as idéias do que os outros esperam de sí. Agir de modo inesperado, ser puramente uma máquina de pensamento e no interior um coração, palpitando, querendo apenas uma coisa ... sinceridade.
    Outra frase que parece sensata é a que diz que: "estar sozinho difere de ser sozinho". Ser uma ilha não implica em receber em suas praias apenas ondas perdidas e marés calmas. Implica em construir pontes, em fornecer abrigo e cuidados a quem quer que passe por perto. Implica principalmente em manter certos laços fortes, verdadeiros e positivos, cada vez mais perto. Ser uma ilha é saber que na fundação de seus pensamentos, um homem deve guardar milhares e milhares de toneladas de areia, pesando, fundamentando suas idéias, fazendo com que ele se prenda a seus pensamentos, às suas certezas e incertezas. Ser uma ilha é manter sua integridade intacta e não ceder ao fácil e ao duvidoso. Ser uma ilhá é manter-se inalterado durante as tempestuosas noites que trazem ondas gigantes chocando-se contra nossos rochedos. É rebater essas ondas e os problemas. É criar pontes para outras ilhas e lugares ensolarados, onde se possa deitar durante uma manhã de verão ao sol, lendo um bom livro e ouvindo o barulho do mar.
    As vezes é preciso ser essa ilha, não porque não se quer que nunca mais ninguém entre em contato, não é não querer ninguém. Mas porque há momentos em que o melhor a se fazer é fechar as portas. Há momentos em que o silêncio e a maré são o necessário pra que certos pensamentos sejam bem plantados no interior da ilha, bem cuidados e possam crescer e florescer profícuamente. Que sejam ilhas, transformem-se em arquipélagos, e que se lembrem então que o único mar no qual é válido se perder é no dos próprios pensmentos.

05/07/2009 - 19:48

10 de janeiro de 2011

"Find my directions magnetically ..."

    É muito fácil se perder, ver as decisões com continuidades borradas a frente, como sendo uma incógnita tão enormemente amedrontadora que somos incapazes de dar os passos necessários em sua direção. A fé é algo incrível e que nos deixa praticamente incapazes de agir quando nos falta ou nos é negada. Sim, a fé nos é negada por vezes, por mais que se lute para alcançá-la, por vezes as pessoas nos tiram, nos derrubam no chão, e com o rosto na poeira, deitado, as vezes se torna uma luta vã levantar-se. E falo de fé no sentido mais amplo que essa palavra (que é muito mais significado do que palavra em si) pode ter. Ter fé em qualquer coisa, pessoa ou circunstância.
    Deve-se saber onde depositar essa nossa força interna, essa nossa crença passional e por vezes desesperada de que algo vai dar certo, de que devidas pessoas são heróis e de que certos acontecimentos virão para melhor. Mas como se aprende isso? Como reconhecer o momento, a pessoa, a circunstância exata na qual deve-se apostar. Há duas formas de se jogar para aqueles que vêem a vida como um jogo. Há os que apostam alto, são agressivos, e por vezes ganham rapidamente fortunas, mas arriscam também perder o pouco que possuem em tempo recorde. E há também os conservadores, que arriscam pouco, e apenas apostam quando tem a certeza de uma probabilidade favorável de vencerem a rodada.
    Talvez a vida seja um pouco mais complicada que apenas um jogo de poker, as regras mudam basicamente a cada momento, então jogar aquele ás que se tem guardado se torna extremamente complicado. Os dias passam ameaçadoramente rápido, as pessoas parecem mudar a cada nova conversa, e a nossa fé começa a se esvair por vezes de uma forma assustadoramente simples. Acreditar se torna vago e extremamente passível de infortúnios. O que fazer então? Atirar as memórias dos acertos e erros em um limbo de passados imprevisíveis e crer na idéia de inconstância total e eterna? Ou tentar encontrar direções e provas de que certas coisas podem ser previstas, que pode-se evitar certos erros já cometidos e decisões tomadas.
    O caminho acinzentado assusta, assusta quem já por diversas vezes tropeçou devido a neblina que faz com que enxerguemos não mais que dois palmos à frente. O desconhecido ainda é aquele monstro que tememos ter de enfrentar. Porque acreditar, e apenas acreditar não é mais uma garantia de que ao menos levaremos sabedoria e conhecimento das situações vividas. Apenas ter fé nos outros ou em si passa a ser menos do que se esperava disso antigamente. Certamente creio nas incertezas das quais não consigo me desvencilhar, não acredito mais que independente dos caminhos o resultado final é o mesmo. Vemos nele crescimento, auto-enaltecimento, ou apenas cansaço e dor. A fé que permance, a única insolúvel no momento é a que diz que ao fim de tudo, não importa nem o caminho, nem o fim e nem o início, importam as idéias, importa a auto-construção e a amplitude de atitudes, a fé que tenho não é mais em mim, nem nos acontecimentos e muito menos nos outros. Ela reside no pensamento, nessa imaterialidade com a qual lidamos diariamente, e na firmeza com a qual acreditamos nele e o defendemos. Porque caráter continua sendo, não o fato de se manter inalterado nas idéias, mas o fato de defendê-las incondicionalmente, e saber mudá-las e reconstruí-las dadas as condições necessárias. Acredito na irracionalidade racional, são minhas melhores cartas para jogar e minha certeza de que independente do caminho tomado meu mundo interior nunca se dobra ao exterior.

                                21 de junho de 2009, 18:56

9 de janeiro de 2011

Apenas mais uma xícara de café ...

    
Hemingway ja falava em um dos seus contos sobre "um lugar limpo e bem iluminado". E as vezes isso se torna tão necessário. Não a nossa casa, nela sabemos do nosso lugar seguro, do nosso "canto", mas um lugar extra, fora disso, onde se sinta de fato "em casa". As vezes esse lugar é necessário ...

    O homem caminha pela cidade com o sol já se pondo e dando espaço as primeiras luzes das ruas. Ela saudosa o recebe bem, como a um filho que há muito não retorna ou talvez apenas um com quem perdeu o costume de conversar. O dia é de inverno mas ainda assim é abafado, algumas pessoas caminham rapidamente com seus rumos definidos, outros se arrastam lentamente sem parecer saber para onde querem ir. Ele veste suas roupas usuais, o que o difere da esmagadora maioria dos que cruzam seu caminho, a barba mal feita costumeira, a imagem que as vezes o faz se questionar se é de fato um resultado do que é ou apenas uma forma de levantar uma bandeira, enfim, para ele não faz mais diferença. Se não possui um lugar no mundo e deve se sentir fadado a isso, tudo bem, e se seu lugar no mundo é o de ser o contestador, o defensor de uma causa perdida ou inexistente, tudo bem também.
    O homem entra num café, o lugar parece bastante vazio comparado ao seu estado normal, algumas pessoas conversam, em geral os mais velhos é que tem o costume de ir ali, mas o homem se sente bem quando está nesse meio. Algo de muito familiar cria uma conexão daquele lugar "limpo e bem iluminado" com sua jovem alma velha. Talvez os questionamentos, tudo que ele busca ou nem sabe que busca, se tornem um pouco mais claros e fáceis de visualizar quando se encontra ali.
    Dezenas de tipos de pessoas passam ali nas duas horas em que o homem fica parado, encostado no balcão, tomando café, pensando na vida e analisando as pessoas. Cada uma com sua história, seus problemas, medos, descobertas. Convergindo para um mesmo lugar, em torno talvez da situação mais banal e inesperada, tomar um café. Claro que as conotações as quais isso implica são várias, há o casal conversando sobre os mais diversos assuntos na mesa, mas que no fundo sabe-se, estão com os cerébros a toda velocidade, raciocinando e pensando num único questionamento: seriam eles certos um pro outro? Há pessoas lendo livros, tomando seu café, há uma família que está distante alguns metros no balcão. Marido, esposa e o filho, possuem sorrisos no semblante, fazem o homem pensar, indagar sua posição, suas facetas, seu futuro. Talvez o que o faça se sentir bem nesse meio é que ao mesmo tempo em que se sente parte de um todo mais sensato, o lugar o faz refletir. As atitudes das pessoas não parecem tão sem-sentido.
    E o homem se pergunta, constantemente, o que afinal naquele lugar o faz sentir-se tão bem, talvez seja o momento em que ele mais se sinta otimista, que mais veja a felicidade por perto, talvez essa tal felicidade até esteja por ali, disfarçada em alguma daquelas pessoas, só para garantir que o homem tenha, em meio aos seus questionamentos e afazeres, alguns minutos de paz. Pode ser, pode ser um tipo de mágica inexplicável que o faça voltar lá sempre que possível, mas claro, talvez seja apenas a vontade por mais uma xícara de café ...

                                24/05/2009 - 10:51

8 de janeiro de 2011

Tristeza e eu ...



O menino era jovem ainda, mas pelo pouco que havia visto desse mundo ele ja tinha a sensação tão estranha de deslocamento que persegue tanto algumas pessoas independente da idade. Certa vez ele se encontrava no pátio da casa. Era um pátio bonito, com várias flores e uma varanda onde era possível se descansar em tardes ensolaradas durante o verão. Esse pátio era o mundo inteiro para aquele menino, ali ele vivia toda sorte de aventuras. Ali ele criava seu mundo, suas opiniões e seus valores. O dia estava nublado mas abafado, daqueles em que é impossível permanecer dentro de casa mas ao mesmo tempo a rua e o céu assutam com a possibilidade certeira de uma chuvarada abrupta. Foi quando o menino conheceu aquela menina, ela era pequena, provavelmente da mesma idade dele, tinha feições diferentes, de alguma forma eram estranhas, não eram como as das outras meninas que ele conhecia. Vestia um vestido espuído, azul celeste. O cabelo era escuro e possuia olhos acinzentados, apresentavam ao mesmo tempo inocência e um peso enormes. A menina estava ali, na sua frente, como uma criança tímida que assiste as brincadeiras sem coragem de perguntar se pode brincar junto. O menino então parou e a encarou fixamente, os enormes olhos castanhos fitavam a menina com uma soma de timidez e curiosidade. Então ela quebrou o silêncio:
    - Olá ... eu posso brincar com você?
O menino ainda estava um pouco assustado, mas se sentiu impossibilitado de negar tal pedido.
    - Sim, se você quiser. Mas quem é você? Qual o seu nome?
    - Meu nome é Tristeza, você não me conhece mesmo, mas quando passei e vi você brincando sozinho pensei que podíamos ser amigos.
    - Tá certo então...
Eles brincaram o resto do dia inteiro, e então, já a tardinha, a chuva começou a cair. Ambos correram para a varanda para se proteger como uma reação automática. Alguns segundos depois, olhando a chuva, a menina falou:
    - Preciso ir. Nos vemos amanhã?
O menino respondeu meio atônito:
    - Mas vai agora? Com essa chuvarada?
    - É, adoro a chuva, adoro olhar ela e caminhar nela. Acho que me faz bem. Mas e então? Nos vemos amanhã?
    - Hmmm, ta bom, a gente pode brincar amanhã então.
Eles se despediram, e durante toda aquela noite o menino não conseguiu parar de lembrar daquele dia tão estranho e daquela amiga tão estranha que havia conhecido.

No dia seguinte foi igual, e assim se sucedeu durante as semanas seguintes também. O menino ja contava as horas até que chegassem as tardes para que pudesse se manter junto de Tristeza. Era como se eles se conhecessem há muito tempo, e se tornaram grandes amigos por muito tempo. Ela fazia companhia a ele, era calada, e ele também, mas ambos pareciam se entender sem precisar muito das palavras. Riam juntos, dançavam juntos, imaginavam histórias estranhas juntos...

Assim os anos se passaram e chegou um dia em que Tristeza disse que deveria partir, o menino lembra bem desse dia também, era uma tarde de domingo, o sol de verão era quente e eles se encontravam sentados em baixo de uma enorme árvore saboreando a brisa que matava o calor. Tristeza vestia azul, o menino nunca entendera bem esse gosto dela pela cor azul, achava que era uma cor de garotos e não de garotas. Então ela quebrou o silêncio como muitas vezes já fizera anteriormente:
    - Preciso ir embora.
    - Tão cedo? E volta amanhã?
    - Não, acho que não volto mais, ao menos por algum tempo, não tenho como saber.
    - Mas por quê? Vai se mudar?
    - Mais ou menos, mas quem sabe a gente se fala, outro dia, pode demorar, ou não.
Ela então lhe deu um beijo no rosto e saiu, pulando o pequeno muro da frente da casa. O garoto ficou olhando enquanto suas roupas e seus cabelos voavam ao vento, ela então virou para trás e lhe acenou com um enorme sorriso no rosto, os olhos cinzentos novamente emanando inocência e peso. O menino quis chorar sem nem mesmo saber a razão, mas nenhuma lágrima rolou em seu rosto.

Muito tempo se passou e o menino se tornou um homem. Conheceu então uma mulher incrível, que parecia lhe completar, eram jovens entrando na vida adulta e tinham o mundo a seus pés, gostavam das mesmas coisas, apreciavam a solidão e um bom livro. A mansidão do campo e a vida mais lenta comparada a correria da cidade grande. Foram morar no campo. Tinham uma casa com um jardim bonito, o homem fazia questão de cuidar dele, de certa forma o lembrava da sua infância. Havia também na entrada uma varanda grande como a de sua infância. Certo dia estavam ambos caminhando pelo jardim e as nuvens se fecharam sem dar sinal, uma chuva forte começou a cair e o homem correu direto para a varanda a fim de se proteger da água, mas não a mulher, ela continuou ali caminhando calmamente. Ele então perguntou a ela enquanto se aproximava:
    - Não vai vir pra cá não? Desse jeito vai ficar enxarcada.
    - Vou ficar aqui só mais um pouquinho, adoro a chuva, a calma que ela me traz, adoro caminhar sentido os pingos.
Foi então que ele notou aquele brilho tão lindo nos olhos daquela mulher, olhos tão acinzentados que lhe davam uma sentimento de nostalgia e saudade. No final das contas o homem não lembrava quanto tempo mais havia passado com aquela mulher. Não conseguia nem mais dizer com certeza se ela havia algum dia deixado de fato de estar do seu lado. Por tantas situações, por épocas inteiras de sua vida, Tristeza havia sido sua grande companheira. A verdade é que muitas vezes mais, na sua vida, ele recebeu as visitas de Tristeza, mas com o tempo ele foi mais e mais se acostumando com ela, e as visitas foram ficando mais e mais raras. Aquele homem nunca mais se envolveu com Tristeza, ela passou a ser uma antiga conhecida, por vezes uma fiel confidente, mas nunca mais um amor, Tristeza passou a ser testemunha de descobertas e feclidades na vida daquele homem e, mesmo que o tenha conquistado quando era apenas um garotinho solitário ela não mais possuia controle da vida dele. Porém é impossível negar que toda vez em que ia se despedir ele não conseguia deixar de notar em seu rosto aquele sorriso tão belo e aqueles olhos cinzentos tão inocentes e profundos.


                                                                              22/01/2010 - 04:53

4 de janeiro de 2011

Conversa entre Arlequim e Pierrot



Arlequim: Não creio em meus olhos, vejo meu velho conhecido Pierrot! ... que fazes nesse bar a essa hora?

Pierrot: Ahh arlequim, sempre alegre e fulgaz, penso na bela Colombina que no passado levaste de mim ...

Arlequim: Não sou larápio meu nobre e sofrido amigo, nada levo ou levei de ninguém, tudo que conquistei até hoje me veio por livre e espontânea vontade ... mas agora me lembro, sim, Colombina ... mulher estranha, indecisa, parecia que mesmo ao meu lado mantinha-se com o pensamento no passado, em algum barco azul sem vento nas bandeiras.

Pierrot: Ousas demais ao tratar a bela Colombina com tamanha displicência.

Arlequim: Ouso porque posso, ouso pois conheço as mulheres, toco a música que as encanta e assim sendo sei que Colombina mereceu sim minha displicência. Tu é que és um bobo, dedicas toda tua existência a uma mulher que nem ao menos a ti deu adeus. Eu que sei, ja conquistei vários corações, és bobo, e triste, nesses trajes largos, velhos e sem vida ... sinto que és um Pierrot tristonho por vocação.

Pierrot: Ahh Arlequim, se ao menos em uma das tuas conquistas tivesses amado como amei, se tivesses sentido com o coração e a alma ao invés de sentir com olhos e mãos. Entenderias este pobre Pierrot.

Arlequim: Falácia! Não saberias nem o que fazer com o que queres. Transformaste o amor de Colombina em um mito tão grande que com ele em mãos ficarias atônito e sem reação.

Pierrot: E tu, fizeste tão pouco caso desse amor que nem sentes mais gosto da vida que levas, gastas tua felicidade bradando conquistas que para ti nem mais sentido tem ... caminhas em meio a tempestade sem ao menos sentir o gosto da chuva nos lábios e os pingos dela batendo no peito.

Arlequim: E tu tens tanto medo de se molhar que sequer arrisca sair do teu casúlo em busca de campos mais verdes. A verdade velho amigo, é que somos parecidos, eu e tu ... nossos sentimentos é que nos movem, desejo e amor, descaso e tristeza. Somos sufocados por eles, ainda assim prefiro minha coragem à tua complacência.

Pierrot: O que chamas de coragem eu chamo insensatez. Essa necessidade de viver te leva a uma repetição impensada de atos fúteis e sem sentido.

Arlequim: E teu medo te leva a auto-piedade repetitiva por um mesmo amor que não pudestes nem aproveitar.

Pierrot: Ahhh Arlequim volúvel!

Arlequim: Ahhh Pierrot imutável!

Pierrot: Vejo que no final das contas não mudamos, somos sempre a antítese um do outro, tu e tua felicidade exacerbada ...

Arlequim: ... e tu e tuas lágrimas incansáveis.

Pierrot: E é nessas diferenças que nos tornamos tão necessários um ao outro, tão humanos, eu um Pierrot que rio de minha tristeza ...

Arlequim: ... e eu um Arlequim que choro de minha felicidade ...
                                   

26/01/2009 - 03:41