5 de abril de 2011

Há dias e dias ...



            Acordei cedo naquele dia. Tinha a total certeza de que seria bom. O céu se encontrava limpo, sem nuvens, parece que até o clima tinha pensado em dar uma forcinha. Alguns pássaros piavam, não lembrava mais como era seu canto matinal. Tomei meu banho e me forcei a fazer a barba grossa e espetada que levava comigo nos últimos meses. “A ocasião pede”, pensei eu olhando para o espelho. Me coloquei nos meus melhores trajes, e depois de alguns minutos consegui dar o nó na gravata.
            - Droga, detesto essa coisa apertada no pescoço. - Xinguei a esmo sem ter ouvintes.
            O terno já era meio surrado, havia visto muitas primaveras, invernos, verões e outonos. Eu o utilizava raramente, mas era minha roupa para dias felizes. E esse seria um dia feliz, eu sentia, até a última molécula do meu ser. A ponta dos dedos formigava, sentia um contentamento difícil de descrever, me sentia completamente pleno por ter errado feio.
            Peguei o telefone e disquei o número rápido. Após chamar algumas vezes Sam atendeu.
            - Pode falar, Jamie.
            - Vai demorar muito?
            - Estou há duas quadras da sua casa.
            - Ok, já me aprontei.
            Meio minuto depois lá estava o carro de Sam parado em frente ao meu apartamento. Sean já sentava no banco da frente, com seu whisky nos lábios.
            - E aí, Jamie! Pronto prum dia de pura diversão? - Trovejou ele.
          - É claro meu amigo, ultimamente não tem sido muitas as oportunidades.
            Sam perguntou logo após:
     - Seu convite chegou com um P.S. ?
            - Chegou sim, fiquei na dúvida se ele havia mandado pra todos.
            - Aparentemente só pra nós dois.
            - Diabos, o que dizia no tal P.S.? - Sean se meteu na conversa.
            - Nada importante, decerto uma mensagem que Paul só queria que eu e Sam lêssemos... - Disse eu, narrando o óbvio. Continuei - Acho que de uma forma ou de outra nossos discursos conseguiram subverter os muros de defesa que ele sempre levantou.
            - Fico feliz em acreditar nisso também. - Concordou Sam com um sorriso.
            - Cacete, acelera esse troço. A gente tem muito o que fazer ainda. - Gritou Sean tomando mais um gole do whisky.

***

            A cerimônia rolou normalmente, foi bastante diferente de como fora com Estella. A família de Nancy parecia feliz e isso era uma novidade para Paul. Fomos depois diretamente para a festa.
            Cheguei assobiando:
- Meu amiiigo, não poupou grana pra essa festa hein!
            - Dessa vez não, acho que mereço. - Paul me falou enquanto abria os braços para me cumprimentar.
            - Merece com certeza.
            Cumprimentei Nancy também. Não a conhecia muito bem, mas parecia ser uma boa pessoa. Acho que finalmente Paul teria um pouco da calma que necessitava em sua vida. Penny também estava lá, as crianças brincavam com a cachorra na grama correndo de um lado para outro e sujando suas “roupas de domingo” enquanto Estella gritava com eles. Sean dava risada da cena. Sam e Miranda conversavam em uma mesa enquanto tomavam um pouco de vinho. Evelyn se encontrava conversando com algumas pessoas que eu não conhecia. Lucy aparentemente ainda não chegara, não lembro de tê-la visto na cerimônia também.
            Resolvi me sentar numa mesa e pegar uma cerveja. Bebia sozinho ali no canto ouvindo um pouco da música e assistindo às cenas que cada um dos meus amigos me presenteava. Alguns minutos depois ouvi uma voz me tirando do meu mundo de sonhos.
            - Que faz sozinho aí nesse canto, Jamie?
            Olhei para trás de susto, e era Estella que puxava uma cadeira e tomava uma taça de champanhe - Pelo visto o Paul conseguiu seguir em frente.
            - É acho que conseguiu sim... - Respondi meio no automático.
            - Acha que vai durar?
            Sem olhar ainda diretamente para Estella falei - Acredito que sim, Nancy parece ser uma moça legal.
            - Eu era legal quando casei com Paul. - Disse Estella com a voz meio embargada.
            - Ainda deve ser Estella, só não foi legal com ele. E o marido como anda?
            - Não quis vir, achou que ia ser constrangedor.
            - Talvez... e como está o casamento?
            - Bom, eu acho. Talvez tenha perdido o jeito de julgar essas coisas. Será que é um pecado tão grande buscar coisas melhores?
            - São jeitos de ser Estella, e com o Paul não funcionava. Talvez com o Sean, com ele você teria novidade.
            - O Sean é um porco! - Exclamou ela com uma cara de insultada.
            - Os porcos são criativos, Estella. - Falei eu rindo.
            Estella se levantou. - Obrigado pelo papo, Jamie. Vou atrás das crianças.
            Fiz um gesto com a cabeça e levantei a cerveja para ela como que fosse fazer um brinde.

            Um pouco antes do jantar Lucy finalmente chegou. Cumprimentou a todos rapidamente, inclusive a mim, depois correu para Paul e se desculpou pelo atraso, havia tido um problema em casa. Apresentou a todos o atual namorado. Acho que era um empresário ou algo assim, terno de marca, cabelo arrumadinho, barba bem feita e uma colônia que provavelmente custava uns três salários mínimos.
            Durante a janta pedi rapidamente a palavra:
            - Dos amigos aqui acredito que seja o que conhece Paul há mais tempo. Fico feliz por vê-lo feliz, fico feliz por sentir que ele soube traçar o seu caminho apesar das críticas e dos conselhos. Acho que no fim é isso que conta não? Saber traçar seu próprio caminho, saber aceitar as próprias escolhas e não acreditar em certas e erradas. Talvez se ele acreditasse em tudo que eu falo não estivesse aqui hoje. Espero realmente que meu amigo seja feliz. Não que até hoje ele não tenha sido, não pense na vida como uma preparação para esse momento, a vida são só momentos e é isso. Hoje é um feliz, amanha um triste, quarta-feira um morno. E a gente nunca se encontra totalmente preparado. Saúde aos noivos. Paz à todos.
            Após a janta Sam nos presenteou com algumas músicas e Miranda também, brincamos um pouco com a banda. Paul estava feliz. Já era alta madrugada, Sean conversava empolgadamente com uma dama de honra que eu não conhecia, acho que era prima de Nancy. Sam dedilhava em um canto a guitarra com uma taça de vinho. Miranda já havia ido embora. Lucy conversava animadamente com Paul, Nancy e seu namorado. Evelyn se aproximou de mim enquanto eu bicava já uma água mineral com gás.
            - Isso enferruja. - Disse ela rindo.
            - Que piada bem velha, Eve, pode fazer melhor.
            - O comediante sempre foi você, Jamie.
            - Touchê...
            Troquei a água por mais uma cerveja.
            - Acha que dura? - Perguntou Evelyn.
            - O que? - Falei meio distraído.
            - O casamento oras.
            - Ah, sim. Acho que sim, parece uma garota legal.
            - E isso lá é motivo.
            - Quis dizer que parece disposta a fazer valer. Para mim é isso que vale, a vontade de cada um de fazer o amor vingar.
            - Poético. - Soltou ela.
            - Piegas, eu diria. Mas é o que acredito. Racional, denso, pensado.
            - Você não muda mesmo não é, Jamie?
            - O tempo todo minha querida, mas mudo em círculos eu acho.
            Evelyn se despediu e foi embora, fiquei olhando para ela e pensando na vida. Olhei para os casais dançando lentamente na pista. Mary se aproximou de mim e puxou a manga do meu paletó:
            - Tio James, dança comigo?
            - É claro, princesa.
            Dancei com minha afilhada, e logo após sentei em meu lugar novamente, Mary se deitou e apoiou a cabeça em meu colo, já estava quase dormindo. Me perguntei se havia errado no caminho em algo, gostava das crianças, mas ultimamente tinha tão pouco contato com eles. Cresciam numa velocidade incrível e eu parecia parado em um momento. Ajudei Estella a colocá-los no carro e ela foi embora para casa.
            Voltei para o pátio:
            - Há dias e dias. - Falei para mim mesmo.
            Tinha sido um dia bom, muito bom de fato. Cocei meu rosto, sentia falta da minha barba. Afrouxei a gravata e fui em direção à meus amigos. A noite ainda iria durar, talvez pudesse melhorar... talvez...

Um comentário:

jandora disse...

A vida é feita de talvez...
gosto dos teus contos, menino interessante e de barba.
;)