18 de abril de 2011

Seriam dragões ou moinhos de vento ???


         
          Acordei cedo novamente. Belo dia. Busquei minha velha moto com motor já meio enfraquecido pelos anos e com bastante depósito de carbono no cano. Ela deu umas tossidas fracas a principio, soltou uma fumaça espessa que tomou conta da garagem e me fez tossir junto. Logo depois ela soltou o velho ronco já conhecido e fiz uma cara contente.
         Corri para dentro da casa, fechei as últimas luzes, peguei as chaves, minha mochila e meus óculos. Estava pronto para a estrada. Admirava-me um pouco o tempo para tomar essa decisão. Mas fazia sentido, eu sempre fora bastante indeciso, estava sendo eu mesmo ainda agora. Fechei a porta da garagem, dei uma última olhada para aquela casa. Boas lembranças, algumas ótimas por sinal, mas era hora de encarar um pouco a estrada.
         Corri até a caixa do correio, uma carta de Paul, bem curta. Contava sobre a lua de mel, agradecia a presença e as palavras durante o casório, mandou junto uma foto de todos os amigos reunidos. Há anos não nos juntávamos. Quem sabe tenha sido esta a última vez com todas aquelas faces no mesmo local. Coloquei a carta na mochila e corri de volta para a moto. Tinha sede da estrada.
         Não me encontrava desesperançado, por mais que pareça isso. Apenas não me encontrava mais. Sentia que o velho James havia perseguido por toda a vida ideais insensatos e comerciais de margarina. Cocei a barba ainda meio rala, senti o ar frio no rosto e pensei que era hora de me dirigir ao sul e ao sol. Poucas nuvens no céu, o dia seria frio mas bonito, nada de chuva por enquanto no meu caminho, o capacete mantinha minha identidade intacta e desconhecida. Acelerei.

***

         A estrada já se tornava cansativa, a noite desabara rapidamente depois que me perdi nos quilômetros a minha frente, estava meio perdido sobre meu paradeiro e logo teria que encostar em algum posto em busca de auxílio para retomar o caminho. Não tinha mais tanto auxílio nem mesmo da minha mente para me dizer o caminho. Sentia que nunca tinha tido um muito bem traçado, mas tudo bem. O ar do deserto começava a gelar e o vento forte chispava no couro da jaqueta mostrando que podia ainda cortar.
         Parei no primeiro posto que encontrei. Peguei algumas informações sobre minha rota e resolvi comprar uma lata de salsichas e uma cerveja. Os dois gêneros alimentares haveria de bastar por enquanto. Alguns quilômetros a frente, avistei uma grande fenda a direita da estrada. Parecia uma trincheira de alguma guerra de outrora, ou então um antigo leito de rio, com o fundo arenoso e fino. Me coloquei perto de um dos lados do pequeno “talude”. Montei a tenda de forma a me proteger do vento. Comi as salsichas frias mesmo, pois não tinha como acender fogo por ali, a cerveja ainda se mantinha relativamente gelada. Me deitei sobre meu cobertor de lã duplo e fiquei encarando o céu estrelado com uma expressão que misturava um pouco de tédio e um pouco de curiosidade. O que será que encontraria pela frente? Como seriam as coisas dali em diante?
         Terminei minha cerveja e fui dormir sem conseguir concluir muitas coisas. Sentia-me meio bobo agindo dessa forma, mas talvez eu o fosse mesmo. Não buscava mais alcançar o ideal que nunca tinha sido meu. Estava “fora do páreo”, e só queria sentir um pouco mais o vento no rosto e fantasia como sempre fizera. Antes de dormir, porém escrevi alguns rabiscos no meu bloco.
         Segui caminho no outro dia, ainda um pouco confuso mas com a estrada serpenteando quase infinitamente em minha frente, via enormes formas na beira da estrada, não sabia bem o que eram, talvez dragões, talvez apenas moinhos de vento, e eu seguia com minha moto como se fosse Rocinante, de queixo erguido pensando se tinha motivos para mais alguma aventura.
         - Jamie,é hora de deixar os velhos medos escorrerem ao correr do vento. - Falei para mim mesmo.
         Segui em frente deixando a estrada comandar e buscando o caminho certo, não estava com meu companheiro Sancho, e nem tinha minha lança em riste para combater os dragões, mas tinha algumas poucas certezas e do resto minha imaginação se encarregava. Pensei rapidamente no poema que rabiscara na noite anterior naquele pedaço de papel sujo de areia e barro. Talvez fosse verdade, talvez. Me despedi da convicção absoluta e cumprimentei o sonho...

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Solo

Sem sentido?
Não sei se acho
Acho que não sei na verdade
Sem sentido é viver assim

Desconexo
Como há muito não
Mas é desesperança que sobra
Fome, no momento é de silêncio
E a barriga ronca, o cerébro também

Vem logo espírito maluco
Preciso de visita
Campainha não toca há tempos
Estragou eu acho

Estraguei eu talvez
Estraguei e traguei
Um trago
Saúde!

Um comentário:

Michele Moura disse...

"... e fiquei encarando o céu estrelado com uma expressão que misturava um pouco de tédio e um pouco de curiosidade." -- Talvez seja essa a medida da sanidade: encarar tudo com um misto de tédio e de curiosidade.
O tédio impede que nos apeguemos demais e a curiosidade permite que nos sintamos tocados. Tocados o suficiente para apreciar, mas não o bastante para nos sentirmos donos do que nos toca. E assim, ambos, o que toca e o que se sente tocado, podem continuar sendo livres...

:)
#viajei

bJoão