Nevava bastante naquele dia, o entardecer começava a
apagar a luz natural de mais um dia de inverno e James saía de um mercado com
uma sacola reforçada de compras. O vento fez seu corpo balançar com violência
enquanto abria a porta do estabelecimento e tentava manter-se equilibrado.
James olhou para o céu e pensou: “Bom, ao menos a neve deve parar até
anoitecer”.
Seguiu o caminho a pé até seu apartamento, cumprimentou
como de costume o porteiro que parecia mais sorridente do que o usual e entrou
no elevador para chegar até o sétimo andar. Ao entrar no apartamento foi
recebido pelo som da televisão que havia deixado ligada, um comercial era
veiculado num dos principais canais de TV, mostrava um Papai Noel carregando
seu trenó com produtos de uma conhecida rede de móveis e eletrodomésticos.
- Quanta babaquice ... – comentou, desligando a TV.
James, cada vez mais se irritava com o apelo consumista
daquela época do ano, e não só daquela, como de todas as outras. Tinha a
sensação de que as grandes redes de venda faziam com que o ano parecesse uma
sucessão de datas consumistas e alimentavam um desejo das pessoas para que os
dias entre essas celebrações fossem apagados. Ligou o rádio e começou a fazer
seu macarrão com queijo, ao mesmo tempo serviu uma taça de vinho tinto e tomou
a goles modestos enquanto preparava com pouca destreza a simples refeição.
Antes de começar a comer tentou novamente ir ao telefone.
Sean não atendia, Paul estava viajando com a nova esposa, Samuel aparentemente
não se encontrava na cidade, Evelyn estava sumida, bem como Miranda já havia um
bom tempo e Lucy provavelmente tinha algum jantar da alta sociedade ou coisa do
gênero. Iria mesmo comer sozinho. Assim sendo, James fez sua ceia simples e
resolveu sair para caminhar pela cidade, o ar no apartamento simplesmente não
estava aconchegante como normalmente era.
Saiu caminhando pelas ruas, passou em frente a uma loja
de eletrônicos, um jornal em edição especial falava sobre um roubo de banco em
Manhattan, em pleno dia de Natal. James pensou consigo: “Mas que bela porcaria
de espírito natalino”. Seguiu em frente caminhando com passadas lentas, olhando
para as ruas belamente enfeitadas, e acabou se distraindo do trajeto que
tomara, deixou que sua mente escolhesse o caminho no modo automático. Acabou
parando em frente à Catedral de St. Patrick, estava em plena 5ª Avenida.
Incrível como geralmente dava pouca atenção àquela bela peça arquitetônica bem
no meio de Manhattan. Ficou olhando para a igreja por um longo tempo, suas
torres que chegavam a 100m de altura, no estilo gótico, muito bonitas. A
fachada se destacava também, tanto pela arquitetura, com uma rosácea clássica
do estilo gótico, como pelos enfeites natalinos. Era de fato uma bela
construção, possuía uma nave muito grande, com um colateral de cada lado, além
de várias colunas também no estilo gótico, podia ver as portas abertas com uma
movimentação intensa devido à Missa de Natal a ser realizada naquela noite.
James ficou ali, parado, boquiaberto por muito tempo, até
que alguém falando ao seu lado fez com que perdesse a concentração:
- É realmente uma linda igreja não? E fica mais linda
ainda na época de Natal. Acho que tudo fica um pouco mais bonito na época de
Natal.
James respondeu, sem tirar os olhos da igreja – Concordo
quanto à construção, não sei quanto ao Natal, acho que as pessoas só querem
mais uma razão para consumir, não que eu ache que deva ser tido como algo
especial, sou ateu, então não vejo nem a razão consumista e nem a razão sentimental
e espiritual da data.
- É mesmo, meu filho? Que pena, e o que faz então aqui em
frente à igreja na noite de Natal?
James ficou interessado ao ser chamado de “meu filho” e
acabou olhando para o lado. Viu então um homem com mais ou menos 1,70cm de
altura, cabelos da mesma cor da neve que ainda se encontrava nas ruas, mas já
havia parado de cair do céu, um sorriso no rosto e as roupas eclesiásticas
típicas de um padre. Ele se assustou um pouco e então respondeu – Perdão padre,
não disse aquilo em tom de crítica, é só que, vendo tanta coisa que aconteceu e
tem acontecido nesse mundo, nunca fui uma pessoa de fé forte, entende?
- Não se preocupe, não levo esse tipo de comentário para
o lado pessoal, e também, o que seria de nós sem o livre arbítrio não é? Mas
repito a pergunta, o que faz então na frente de uma igreja na noite de Natal?
- Não sei, me deixei levar pelas ruas sem um destino
específico, acabei parando aqui. Estranho não?
- Ora, o que você chama de estranho eu deveria chamar de
“divina providência”, não é mesmo? – inquiriu o padre com um risinho
brincalhão.
- Sabe, meu filho, eu entendo a sua pouca fé, entendo
mesmo. Hoje em dia é fácil não acreditar nas coisas, acreditar somente no
visível, convenhamos, a própria mídia desvia de forma muito forte o significado
verdadeiro do Natal. Francamente, a própria igreja já o fez, hoje em dia eu sei
que já é de conhecimento comum a forma com que a data foi tirada de um antigo
festival pagão egípcio com o intuito de cristianizar povos chamados de bárbaros.
– falou o padre, sempre com calma.
James pareceu meio atônito – Nossa, é a primeira vez que
eu vejo um padre falando assim.
- Esperava o que? Que eu mandasse que o queimassem por
não crer nas mesmas coisas que eu? Não somos tão maus assim, meu amigo. Bem, ao
menos não mais.
- Mas vendo você assim, sozinho nesse dia tão especial,
me pergunto: será que não seria melhor crer em alguma coisa do que passar como
um cético por esse mundo, vendo as coisas sempre pelo lado de fora, por que não
entrar lá dentro e participar junto com outras pessoas da celebração?
- Confesso que tem faz um pouco de sentido, ainda assim,
sempre que penso nisso, vejo que não é para mim, tenho ideias muito,
diferentes.
- Entendo, mas tudo bem, por favor, não pense que estou
tentando convertê-lo ou algo assim, só quero deixar claro meu ponto.
Independente do significado que cada um dá ao Natal, acredito que se o mesmo
for positivo, bom, então a data cumpriu sua missão. Se você crê em Deus, Alá,
Buda, Extraterrestres, em você mesmo, isso não importa, o que importa é que é
uma época de se pensar na bondade e em se fazer a bondade. Mesmo que tenha seu
lado consumista, eu sei que tem, e forte, pense em como não seria bom que,
mesmo que por apenas um dia todos os 7 bilhões de pessoas nesse mundão não
fizessem uma ação boa. Acho que 7 bilhões de ações boas é um número expressivo,
mesmo que por um só dia.
James parecia novamente encantado, agora não com a
estrutura arquitetônica na sua frente, mas com as palavras proferidas por
aquele velho senhor – Realmente, não havia pensado nas coisas por esse lado,
acho que não ando acreditando na bondade ultimamente também, pra falar a
verdade ando acreditando em muito pouca coisa.
- Pois então, meu amigo, quem sabe não é uma boa hora pra
botar suas crenças em prática. – falou o padre, ainda com o sorriso no rosto –
Bom, mas agora preciso deixar de incomodá-lo, sabe como é, vou exercitar um
pouco a minha crença. Espero que
tenha um bom Natal, meu amigo, e que encontre a sua, onde quer que ela esteja.
- Obrigado. – respondeu James, enquanto o padre se
dirigia para dentro da igreja.
Em seguida seguiu seu caminho, logo em frente viu uma
senhora carregando enormes sacolas para dentro de uma casa, com a ajuda de um
menino. A senhora agradeceu a ajuda e o menino saiu correndo alegre em direção
a outra casa, que era a sua.
James seguiu mais algumas quadras e foi parar no “Dead
Poet”, o pequeno bar estava vazio, apenas um casal em uma mesa e um velho
barbudo no balcão. Além deles, Miles o Barman, limpava alguns copos,
aparentemente não por necessidade, mas por costume e para ter algo para fazer.
- E aí, Miles, como vai? – inquiriu James.
- Vou bem, meu amigo, sentindo um pouco de falta da
família, mas amanhã passo o dia em casa, e você?
- Bem também, tive uma noite boa até agora.
- E então, pretende beber para esquecer a solidão do
feriado como de costume?
- Não, Miles, dessa vez não, pegue dois copos, sirva uma
dose pra você também, hoje é dia de comemorar.
- Nossa, mas comemorar o que meu amigo?
- Não sei exatamente ainda, Miles, mas acredite em mim
... Feliz Natal pra você, meu amigo!
João Carlos
Radünz Neto – 24/12/2012 – 00:26