6 de maio de 2012

E quanto vale cada um ???



            As Montanhas Bitteroot ficavam acessíveis através da rota 90, que cortava o estado de Montana. O mês de julho possuía temperaturas boas devido ao terreno árido e as altitudes da região. Seco e quente, lembrava até mesmo as diversas viagens atravessando o deserto de Nevada que aquele grupo de amigos já havia feito. Sean mantinha a dianteira, cruzando a mais de 90km por hora a rodovia com o destino já em sua memória, no carro de trás iam Miranda e Lee, que traziam no banco traseiro Penny, a Golden retriever do amigo Paul, que, devido aos grandes compromissos não pode estar presente nessa empreitada do grupo. No último carro do ‘comboio’ iam James, Sam e Evelyn.
            Velhos companheiros de viagens e de loucuras pela vastidão do país e do continente. Fazia 21ºC e ventava pouco, mesmo assim um vento quente, abafado, que fazia com que o melhor lugar para se estar no momento fosse a sombra de uma das incontáveis coníferas que sapecavam toda a região montanhosa. Já haviam saído há aproximadamente uma hora da cidade grande mais próxima, Helena, capital do estado de Montana, e agora se aproximavam cada vez mais de seu objetivo. Um terreno de aproximadamente 5 acres onde pretendiam montar uma cabana e passar o próximo ano inteiro, vivendo em conjunto uns com os outros. Era quase como a experiência de Black Bear que James e Miranda já haviam participado, mas dessa vez apenas entre amigos e também não pretendiam viver a vida dura apenas da terra.
            O local havia sido escolhido já adiantado, por James e Sean em uma de suas passadas pela região. Poucas pessoas por perto, mas ainda assim a proximidade de uma cidade grande. Sean comprou o terreno, e teve a ideia juntamente com James durante uma noite de Jazz e Uísque em um bar na rota 90. Precisavam agora apenas chegar, desembarcar os primeiros mantimentos e barracas, e começar a buscar as primeiras toras para o início do trabalho.
            A montanha Bitterroot fazia parte de uma cadeia gigantesca que seguia através das rochosas e ia parar apenas no Alaska. Era um local bonito, a paisagem era extremamente agradável, a vida selvagem era farta mas não necessariamente perigosa e o clima contribuía com pouca precipitação e nevascas que não eram tão fortes. Além do mais, quando pronta, a cabana serviria como boa proteção contra as intempéries do inverno. O mês de julho fora escolhido por essa razão. Clima bom de verão para o trabalho inicial na cabine e também para todos irem se acostumando gradualmente à ideia, até que chegasse dezembro com suas temperaturas abaixo de zero e suas neves.
***
            Algumas horas após o desembarque, o terreno estava sendo limpo por Evelyn e Miranda, Sam cuidava de uma pequena horta que seria seu passatempo durante boa parte da estadia no local, Lee fora encarregado de montar o acampamento e juntar madeira pra o fogo das primeiras noites, por fim, James e Sean se juntavam com machados e serrotes no trabalho de juntar o maior número de troncos durante aquele primeiro dia.
            Sean marchava na frente, com botas pretas, calça marrom, uma camisa xadrez de lenhador e uma touca verde, era a imagem do trabalhador das montanhas, fumava um cigarro e esbravejava sobre o quão bonita ficaria a cabana depois de pronta.
            - Cara, essa cabana vai ficar demais, DEMAIS! Não vejo a hora de passar noites e noites curtindo o melhor uísque que tiver enquanto me aconchego numa boa pele de urso na frente da lareira.
            - É, e eu tenho uma coleção de livros do Dostoiévski pra devorar só nos primeiros meses. Ainda não acredito que o avô do Paul me mandou todas aquelas relíquias.
            James deu uma respirada forte, o ar das montanhas entrou em profusão em seus pulmões. O cheiro de terra era forte, bem como o da resina dos pinheiros da volta. Se sentia bem ali, aconchegado, sem necessidades.
            - Cê perdeu o papo de um casal que a gente viu quando tava comendo naquele restaurante no último posto da 90 lá atrás. A mulher e o cara, provavelmente algum casal de classe média alta e com filhos já criados em uma viagem por aí. Ela cheia de jóias e o cara um perfeito almofadinha.
            - Nossa, a nata da sociedade, garanto que tavam comendo panquecas, tomando café e se achando belos viajantes.
            - Nem sei, mas me prendeu foi o assunto que eles travavam. Ou melhor, era quase um monólogo da mulher. Ela falava sobre a filha, uma engenheira que tinha se mudado pelo visto e dizia pro marido ‘Nossa, mas eu concordo com ela, algumas profissões realmente merecem receber mais, como é que a nossa cidade pretende segurar os profissionais pagando uma mixaria. Nessa outra cidade ela vai ganhar quatro vezes mais.’
            - Caramba, quanto será que ela tava falando?
            - Ela comentou algo em torno de 4 ou 5 mil por semana, uma boa grana.
            - Boa grana.
            - Grana demais, e outra coisa, o que diabos aquela velha sabe sobre alguns merecerem mais. Cacete, Sean, há anos atrás um idiota de bigodinho começou uma guerra por achar que alguns merecem mais que outros.
            Sean deu uma enorme gargalhada – CACETE, JAMIE! Cê acha que uma velinha de classe alta vai começar a Terceira Guerra Mundial?
            - Não é esse meu ponto, o que quero dizer é esse tipo de gente idiota que ainda acredita em méritos maiores pra posições melhores. Isso é pura babaquice, é manutenção de uma hegemonia tosca, boçal.
            - É claro que é meu velho, quando eu não tô com vocês bebendo e mal vestido, quando eu entro de terno num escritório com meu nome na porta, as pessoas me tratam como doutor e me pagam um horror de dinheiro pra eu não fazer quase nada. Diabos, cara, tem colegas meus que recebem horrores pra tirar criminosos de prisão e tudo fica tudo bem. Afinal, a nossa profissão merece receber mais não é mesmo? – comentou brincando Sean.
            - Isso me irrita, e a forma com que aquela mulher falou aquilo me irritou mais ainda, não sei por que não me intrometi. Queria ver a vida dela sem o cara que faz o cafezinho, ou melhor, sem o cara que planta o café, sem os artistas que fazem música, teatro, televisão. Queria ver a vida dela só com a bela filha engenheira que recebe 5 mil dólares por mês. Mas sem o lixeiro pra coletar toda a porcaria que ela deve ingerir com essa grana. É uma bobagem, as pessoas inventam patamares de evolução pra se acharem umas melhores que as outras, e no fim das contas aquela mulher se esquece que se abrir o intestino dela, tem a mesma coisa que tem no de todo mundo. Diabos, Sean, eu conheço pelo menos umas 20 ou 30 pessoas que são dez vezes mais pobres que ela, mas que tem muito mais valor. Não consigo deixar de pensar que muita gente nesse mundo é um desperdício enorme de oxigênio.
            - Com certeza cara, mas e o Paul então, é um babaca por não querer vir. – comentou Sean, mudando um pouco o assunto.
            - Eu entendo o Paul, cara. Ele virou mais um na multidão, mas tudo bem, ainda assim ter dinheiro ou não, não fizeram ele pensar que é melhor do que ninguém. Ele continua o mesmo cara bom de sempre, que valoriza todo mundo de forma igual, diabos, foi quase por isso que a Estella deixou dele. Diabos, aquela velha é a Estella no futuro, amarga e se achando melhor do que todos.
            Sean deu uma risada. Os amigos seguiram o trabalho por horas e horas, enquanto o sol permitia. Trazendo todas as toras para perto do acampamento.
            Já no fim da tarde, James fora o último a tomar banho no chuveiro improvisado com lata, pregos e uma quantidade grande de água do lago. Ao sair viu Sean bebendo com Lee na beira do lago, lá no meio a canoa de Sam vagava lentamente enquanto ele esperava que algum peixe fisgasse o anzol. Evelyn se encontrava perto do fogo lendo um livro e Mirando havia decidido preparar alguma comida no fogareiro. Ali estavam eles, diferentes em profissões, diferentes em aspirações, mas nenhum se achava melhor do que ninguém. Nenhum achava que o fato de ter tido um pouco mais de oportunidades dava a eles o direito de se tornarem seres humanos podres.
            James olhou rapidamente para o céu. As estrelas brilhavam em força máxima sem as luzes da cidade para disputar seu brilho. James pensou que nada daquilo importava. Queria pensar nos próximos doze meses ali. As pessoas podres como aquele casal haviam ficado para trás, naquele restaurante do posto de gasolina, eles que rolassem nas notas de dinheiro que tanto amavam. É isso mesmo, ‘dançem, macacos, dançem’, sigam o ritmo imposto pelas notas e esqueçam o que vale de verdade, façam apenas o que foram programados a fazer por pais mais idiotas do que vocês mesmos. James ficaria ali, com os amigos, com o que importava. E esse havia sido apenas o primeiro dia.

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