A cabana recebia já os retoques
finais em seu alicerce. Em pouco tempo as paredes começariam a ser erguidas. O
trabalho no alicerce com tábuas retas havia sido muito bom e, relativamente,
rápido. Era noite e um vento fresco cortava as matas enquanto o fogo crepitava
com fúria no meio da roda de amigos.
Todos estavam ali ao redor da
fogueira com exceção de Sean que roncava sonoramente, deitado em cima de sua
capa de lã, com Penny ao seu lado, também dormindo.
Conversavam sobre a vida em geral,
mais precisamente sobre a natureza humana, em alguns minutos de discussão
alguém comentou algo sobre a naturalidade com que algumas pessoas agem. E
Evelyn disse:
– O Sean as vezes me espanta, nunca
sei o quanto dele é naturalmente loucura ou simplesmente necessidade se ser
excêntrico. Afinal, o que move ele?
James a fitou de forma pausada e
respondeu – Bom cê trazer esse exemplo, Eve. O Sean é pura emoção, tem um
coração do tamanho desse mundo, e é movido por ele. Acho que uma história da
nossa época de faculdade pode exemplificar bem a situação. Se vocês permitirem.
Após a aprovação dos amigos, James
começou sua narrativa:
***
Era 1986, Sean, James e Samuel
terminavam seu primeiro ano de faculdade. Numa sexta a noite qualquer eles se
encontravam em um desses bares universitários clássicos onde a cerveja é barata
e a música em geral é desconhecida. Naquela noite Samuel tocava com sua banda e
os dois amigos resolveram dar uma força para deixar o local mais cheio.
Independente da tentativa a maioria das pessoas focavam em suas rodas de
conversa ou nas tentativas dos homens de arranjarem alguém naquela noite. Sean
e James, por sua vez se encontravam ao lado de uma mesa se sinuca, onde quatro
caras jogavam, dois deles eram os universitários comuns do sul, com a cabeça já
cheia de cerveja, formavam frases meio bobas e riam de piadas sem nexo. Um
deles era um gigante de quase dois metros que podia muito bem ser um titular da
linha de defesa de algum time de futebol universitário, falava bastante e ria
pouco, gracejando quando alguma garota passava e comemorando efusivamente cada
vez que encaçapava alguma bolinha. O último era o típico número dois, um puxa
saco do gigante, ria de suas piadas e admirava suas tacadas como se fosse um
verdadeiro profissional.
Sean cutucou James na costela e
comentou:
- E aí, parceiro, tá a fim de faturar
uma grana?
– Ah não, de novo não, Sean. Lembra
de como foi na última vez? – reclamou James, fazendo que não com a cabeça.
Da última vez que tinham jogado por
dinheiro tiveram que sair correndo do bar com um bando de motoqueiros atrás
deles por conta das apostas e da boca grande de Sean. Também foi um problema o
fato deles terem enganado os tais motoqueiros com o intuito de ganhar a grana.
– Relaxa, dessa vez vai ser
diferente, tirando o gigante ali os outros são universitários comuns. E vê se
não esquece do nosso esquema. – comentou ele com um ar de tranquilidade que só
ele conseguia ter nessas horas.
Sean caminhou até a mesa e, abrindo
um enorme sorriso largou:
– Amigos, que dizem de uma apostinha
amigável?
O gigante olhou para ele com o cenho
franzido e respondeu de forma solene – Quanto?
– Vinte e cinco num jogo de duplas,
eu e o meu amigo Jamie aqui contra seus dois melhores.
– Feito! – disse o gigante,
colocando suas notas em cima da mesa onde estavam suas garrafas de cerveja.
O jogo correu de forma rápida, o
gigante era um jogador de nível regular para bom, seu companheiro bajulador era
um bom jogador também. James acertava algumas e errava outras, reclamando
solenemente a cada erro. Sean errava a maioria das tacadas deliberadamente,
reclamando alto, segurava o taco de forma desleixada e dava a impressão de ter
bebido mais do que devia para apostar dinheiro no jogo.
O gigante dava uma risadinha de
canto a cada erro por parte dos adversários e provavelmente pensava que aquela
seria a grana mais fácil que já havia conseguido na sinuca.
Assim a partida terminou, e o
gigante pegou os cem dólares com gosto, mas quando estava pronto para colocar o
dinheiro na carteira Sean trovejou:
– O dobro ou nada!
– Tem certeza, amigo? – inquiriu ele,
já com o sorriso voltando aos lábios.
– É claro, na próxima a gente leva! –
gritou Sean, enquanto colocava giz na ponta do seu taco.
O segundo jogo foi ainda pior do que
o primeiro. O gigante dominou quase do início ao fim, enquanto Sean e James
pediam mais e mais cervejas.
O gigante novamente admirou sua
quantia de dinheiro, e antes de guardar Sean voltou a pular na frente:
– OK! Setenta e cinco dólares de
cada dupla e a gente fecha a bolsa em cento e cinquenta pros vencedores.
O gigante deu uma grande gargalhada –
Se continuar desse jeito vocês vão acabar me sustentando por todo esse mês na
faculdade. Feito!
Dessa vez o jogo foi diferente. Sean
franziu o cenho, e sem passar a vez encaçapou todas as bolas listradas e a
oito, em alguns minutos.
– NOSSA! Acho que dessa vez dei
sorte, hã amigos! Os deuses da sinuca devem estar do nosso lado no fim das
contas. – falou ele enquanto ia em direção à mesa com o dinheiro.
O gigante entrou em seu caminho,
estalando os dedos:
– Cara, nos enganar desse jeito, não
foi legal. – comentou enquanto o puxa saco ia para o seu lado e os outros dois
chegavam pelo outro lado da mesa perto de James.
– Como assim enganar? – perguntou Sean
enquanto dava alguns passos para trás em direção à mesa – Foi pura sorte, não é
mesmo James? – perguntou ele enquanto se virava para o amigo e ficava de costas
para o gigante.
Sean era um cara grande, 1,88cm de
altura e 105kg. Tinha o porte de um linebacker,
posição na qual jogava. Mesmo assim ele ficava pequeno perto do gigante de
quase dois metros. James por sua vez era um cara de estatura média, 1,75cm e
relativamente magro. Via-se encurralado pela dupla de bêbados no outro extremo
da mesa.
A ação se deu em um piscar de olhos,
Sean pegou o taco que estava em cima da mesa e se virou colocando toda a força
no quadril e na pancada. O taco se quebrou direto no lado esquerdo do rosto do
gigante. Antes que este pudesse se recuperar Sean já estava em cima dele, como
um enorme touro branco, cabeça baixa e ombro nas costelas. Como costumava fazer
com os running backs do time
adversário no campo de futebol. Levantou o gigante do chão e só foi parar
quando a lombar do outro se chocou contra o balcão que ficava há uns três
metros de distância. O gigante soltou um urro de dor e caiu enquanto tinha
espasmos de dor por todas suas costas. Sean sentiu então a pancada de uma
cadeira nas suas costas. O puxa saco achou que essa arma seria suficiente para
parar o touro na sua frente. Sean se virou, pegou ele pelo colarinho e fez ele aterrissar
de cabeça em cima do gigante. Chutou as costelas de ambos no chão e, quando
sendo sentiu que estavam derrotados se virou para ver o que havia acontecido
com James.
Do outro lado da mesa, James havia
dado alguns passos atrás após Sean quebrar o taco na cara do gigante, levantou
as mãos em sinal de paz e disse para a dupla de bêbados:
– Hey caras, não quero confusão não.
No segundo em que os dois bêbados se
olharam, como se decidindo em conjunto o que fazer com aquele pacifista
medroso, James disparou um direto, bem no queixo do bêbado da esquerda. CRACK!
O barulho foi audível, só não se sabia ao certo se havia sido a mandíbula do bêbado
ou a mão de James.
O bêbado caiu pra trás berrando de
dor com a mandíbula deslocada. James cambaleou também enquanto segurava o braço
esquerdo e balançava a mão esbravejando de dor. Aparentemente, seu soco havia
feito tanto dano nele quanto na sua vítima. O bêbado da direita, após o susto
do golpe, foi em direção a James e lhe aplicou um soco direto no nariz, que o derrubou
em direção à parede. Um segundo depois estava em cima de James e lhe aplicava
mais um soco direto no nariz. O sangue já jorrava em profusão e quando James
esperava por um terceiro golpe, de olhos fechados, ouviu apenas um enorme
CRACK! E o bêbado caiu para o lado com um baque surdo.
Samuel se encontrava ali parado de
pé, magro e alto, com o violão pendendo de sua mão direita, quebrado após o choque
com a cabeça do bêbado.
Sean viu essa cena ao se virar. Deu
uma enorme gargalhada e foi em direção aos amigos – Bela briga, hein amigos.
– “DESSA VEZ VAI SER DIFERENTE!” –
exclamou James, enquanto saiam do bar em direção a algum ambulatório para
concertar seu nariz – E VOCÊ NEM PRECISAVA DA PORCARIA DO DINHEIRO! – o pai de
Sean era um fazendeiro abastado do sul, de modo que o mesmo nunca havia tido
problemas com dinheiro durante sua criação.
– Calma, parceiro. Em nenhum momento
isso foi por causa do dinheiro. – comentou Sean enquanto sorria para o amigo.
Enquanto os amigos entravam no carro
de Sean no estacionamento do bar, os cento e cinquenta dólares continuavam ali
em cima da mesa com as garrafas de cerveja.
***
– E esse é o Sean. Ele não faz as
coisas pelas razões comuns. Ele gosta é do estrago. – comentou James e fez uma
pausa para tomar um gole de vodka – É o verdadeiro cientista humano, sempre
fazendo seus experimentos. E naquele dia eu acabei fazendo parte da verificação
empírica dele. Meu nariz que o diga.
Evelyn riu, e os demais acompanharam
em uma gargalhada conjunta.
Enquanto James dava as últimas explicações
sobre a natureza do amigo, Sean soltou um enorme ronco e virou de barriga para
cima embaixo de suas cobertas. Dormia em paz, como se fosse a criatura mais
inocente do mundo, e de certa forma o era. Era sincero a si mesmo, e nunca
soubera “medir nem tempo e nem medo”.
– Não acredito em natureza humana.
Só acho que o Sean é o cara mais sincero consigo que existe, Ele entra em um
estado em que ele desliga a mente e se torna aberto para tudo.
Todos foram deitar após a história,
com exceção de James. Ele ficou para trás e brindou silenciosamente em frente à
fogueira. Tomou o último gole de seu copo de vodka, apagou o fogo e quando
estava caminhando para sua barraca ouviu Sean acordando. Ele deu um grande
bocejo e disse:
– Cara, tive uma grande ideia. Que
tal a gente pegar o carro amanha e ir até a cidade em algum bar. Tomamos umas
cervejas e quem sabe até jogamos uma sinuca.
James
deu uma risada baixa e então respondeu – É, quem sabe, Sean. Quem sabe...