Os três homens se encontravam
sentados na sala do 12º andar de um prédio central. O dia era frio, o vento
chicoteava incessantemente nas enormes janelas de vidro que davam visão para a
avenida central, porém o sol havia despontado após algumas horas e poucas
nuvens se encontravam no céu. A sala era relativamente aconchegante, bastante
iluminação natural, devido aos enormes vidros que ficavam no lugar da parede
que daria para a rua. Havia também uma mesa de metal cromado com um tampo de
vidro, além dos enormes sofás e poltronas azul marinho. James se encontrava
sentado em um deles, tomando uma dose dupla de uísque. Dos outros dois homens,
um estava em uma poltrona à esquerda, o outro se encontrava de pé com o copião
na mão. Ambos usavam ternos bem alinhados, possuíam óculos sem aro e cheiravam
a algum perfume que provavelmente fora comprado pela esposa. Era bem possível
que os ternos e a combinação de camisa e gravata também tenham sido escolhidos
pelas esposas.
O que estava sentado comentou:
- Nos interessamos por algumas partes
do seu texto, Sr. Kindel. Em geral me pareceu uma trama pouco enrolada e sem
muita ação, porém possui alguns diálogos interessantes.
- Que bom. - comentou James após um
gole no seu uísque. As mãos ainda tremiam um pouco, essas reuniões editoriais
eram sempre um inferno, ainda mais nessas editoras grandes. Dessa vez tinha
conseguido a reunião através da amiga Lucy. Ela possuía contatos, BONS
contatos, daqueles que podem mudar uma carreira, para melhor ou pior.
O homem em pé parecia mais inquieto,
andava de um lado para outro, e parecia procurar certas passagens do livro:
- É, nós gostamos, porém algumas
modificações cairiam muito bem. Por exemplo, tem que ficar mais claro que o
protagonista é um vampiro...
- Mas o protagonista não é um
vampiro! - exclamou James, assustado com o que ouvira.
- Como assim não é um vampiro? E
aquela parte que diz que ele queria “sugar
o sangue das veias da vida, mesmo que tivesse medo”?
- Ora, é uma simples metáfora. Quer
dizer que ele gostaria de viver muito mais do que de fato tinha coragem de
viver, é um homem preso dentro da própria vida.
- Não é um vampiro que não gosta de
se alimentar de humanos?
- No máximo uma metáfora de um homem
que se sente um monstro ao ter que tirar da vida esse “sangue”. - replicou
James, cada vez mais assustado.
- Mas ele não poderia ser um
vampiro? - perguntou o que estava sentado.
- Sim, vampiros estão na moda... -
comentou o homem em pé, balançando os braços - impulsionam nomes, vendem muito,
principalmente entre adolescentes.
- Olhem bem, eu só queria falar
sobre um cara comum e de situações corriqueiras dentro da vida dele. Um cara
comum, mas com problemas e questionamentos profundos. Só isso.
- O que você tem contra vampiros? -
inquiriu o que estava de pé.
- Diabos! Eu não tenho nada contra
vampiros, a não ser o fato de que não escrevo sobre eles!
- Não, não, não, essa atitude não
vai ajudar nem um pouco o senhor, Sr. Kindle. Precisa nos ouvir, conhecemos o
mercado, sabemos o que as pessoas querem ler.
- Mas é exatamente esse o ponto. Eu
não quero escrever o que todos querem ler, eu quero que nas páginas as pessoas
se surpreendam exatamente com a realidade cruel de certas situações.
- E quem sabe lobisomens? Não fazem
tanto sucesso, mas podemos fazer funcionar, de repente se ele se apaixonar por
uma vampira, ou até uma zumbi.
James tomou mais um gole grande do
seu uísque e respirou fundo - Vejam bem, eu não pretendo escrever sobre seres
sobrenaturais, nem vampiros, nem lobisomens, nem sobre aliens. Minhas histórias
são ficção, mas uma ficção verossímil.
- Verossimilhança está fora de moda.
As pessoas não tem mais paciência. Eles querem ação, aventura, amor...
- E capítulos curtos... - completou
o outro – com bastante plot twists...
- Acho que essa reunião não está
indo a lugar algum. - comentou James, já quase desistindo.
- Hmmm, talvez não. - murmurou o
homem sentado - Mas mesmo assim nós vimos uma certa qualidade no seu texto. Nos
entenda, estamos no mercado há um bom tempo, já lançamos vários best sellers, podemos fazer do senhor
uma estrela rapidamente.
- Mas eu não quero escrever nada
sobrenatural que esteja na moda, pra mim ninguém vai chegar aos pés do Poe.
- Quem é esse Poe? - comentou o
homem de pé - Quantos best sellers do
NY Times ele já escreveu?
James permaneceu parado, incrédulo.
Terminou o uísque, cumprimentou os homens e saiu da sala. Enquanto se dirigia à
porta ainda ouviu o que estava de pé comentar baixinho com o homem sentado:
- Não acredito que alguém não goste
de vampiros... são tão instigantes...
***
James se despediu da recepcionista
no saguão do hotel. Fechou a jaqueta e colocou sua touca. Caminhou algumas
quadras e entrou num café espaçoso e bem iluminado. Pediu um expresso e sentou
no balcão.
Já no final do expresso o barman se aproximou
e lhe entregou um flyer:
- Hey, amigo. Se quiser apreciar uma
peça que vai ser apresentada no segundo andar na semana que vem, aqui está um convite.
É um pessoal novo, e estou ajudando eles a se lançarem.
- James agradeceu sem olhar para o flyer. Colocou no bolso, pagou e seguiu
seu caminho.
Depois de andar mais algumas quadras
colocou a mão no bolso em busca de suas chaves, o flyer veio junto e James resolveu ler: O Café Latte, apresenta na
próxima quinta “O Vampiro do Central Park”, uma peça de Wallace Slater.
James olhou pausadamente para aquele
pedaço de papel e finalmente colocou de volta no bolso, dando de ombros.
-
Diabos! Por que não? Que mal pode fazer? – comentou consigo ao entrar no seu
prédio.
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