8 de abril de 2012

A Maldição do Vampiro ...

             Os três homens se encontravam sentados na sala do 12º andar de um prédio central. O dia era frio, o vento chicoteava incessantemente nas enormes janelas de vidro que davam visão para a avenida central, porém o sol havia despontado após algumas horas e poucas nuvens se encontravam no céu. A sala era relativamente aconchegante, bastante iluminação natural, devido aos enormes vidros que ficavam no lugar da parede que daria para a rua. Havia também uma mesa de metal cromado com um tampo de vidro, além dos enormes sofás e poltronas azul marinho. James se encontrava sentado em um deles, tomando uma dose dupla de uísque. Dos outros dois homens, um estava em uma poltrona à esquerda, o outro se encontrava de pé com o copião na mão. Ambos usavam ternos bem alinhados, possuíam óculos sem aro e cheiravam a algum perfume que provavelmente fora comprado pela esposa. Era bem possível que os ternos e a combinação de camisa e gravata também tenham sido escolhidos pelas esposas.
            O que estava sentado comentou:
            - Nos interessamos por algumas partes do seu texto, Sr. Kindel. Em geral me pareceu uma trama pouco enrolada e sem muita ação, porém possui alguns diálogos interessantes.
            - Que bom. - comentou James após um gole no seu uísque. As mãos ainda tremiam um pouco, essas reuniões editoriais eram sempre um inferno, ainda mais nessas editoras grandes. Dessa vez tinha conseguido a reunião através da amiga Lucy. Ela possuía contatos, BONS contatos, daqueles que podem mudar uma carreira, para melhor ou pior.
            O homem em pé parecia mais inquieto, andava de um lado para outro, e parecia procurar certas passagens do livro:
            - É, nós gostamos, porém algumas modificações cairiam muito bem. Por exemplo, tem que ficar mais claro que o protagonista é um vampiro...
            - Mas o protagonista não é um vampiro! - exclamou James, assustado com o que ouvira.
            - Como assim não é um vampiro? E aquela parte que diz que ele queria “sugar o sangue das veias da vida, mesmo que tivesse medo”?
            - Ora, é uma simples metáfora. Quer dizer que ele gostaria de viver muito mais do que de fato tinha coragem de viver, é um homem preso dentro da própria vida.
            - Não é um vampiro que não gosta de se alimentar de humanos?
            - No máximo uma metáfora de um homem que se sente um monstro ao ter que tirar da vida esse “sangue”. - replicou James, cada vez mais assustado.
            - Mas ele não poderia ser um vampiro? - perguntou o que estava sentado.
            - Sim, vampiros estão na moda... - comentou o homem em pé, balançando os braços - impulsionam nomes, vendem muito, principalmente entre adolescentes.
            - Olhem bem, eu só queria falar sobre um cara comum e de situações corriqueiras dentro da vida dele. Um cara comum, mas com problemas e questionamentos profundos. Só isso.
            - O que você tem contra vampiros? - inquiriu o que estava de pé.
            - Diabos! Eu não tenho nada contra vampiros, a não ser o fato de que não escrevo sobre eles!
            - Não, não, não, essa atitude não vai ajudar nem um pouco o senhor, Sr. Kindle. Precisa nos ouvir, conhecemos o mercado, sabemos o que as pessoas querem ler.
            - Mas é exatamente esse o ponto. Eu não quero escrever o que todos querem ler, eu quero que nas páginas as pessoas se surpreendam exatamente com a realidade cruel de certas situações.
            - E quem sabe lobisomens? Não fazem tanto sucesso, mas podemos fazer funcionar, de repente se ele se apaixonar por uma vampira, ou até uma zumbi.
            James tomou mais um gole grande do seu uísque e respirou fundo - Vejam bem, eu não pretendo escrever sobre seres sobrenaturais, nem vampiros, nem lobisomens, nem sobre aliens. Minhas histórias são ficção, mas uma ficção verossímil.
            - Verossimilhança está fora de moda. As pessoas não tem mais paciência. Eles querem ação, aventura, amor...
            - E capítulos curtos... - completou o outro – com bastante plot twists...
            - Acho que essa reunião não está indo a lugar algum. - comentou James, já quase desistindo.
            - Hmmm, talvez não. - murmurou o homem sentado - Mas mesmo assim nós vimos uma certa qualidade no seu texto. Nos entenda, estamos no mercado há um bom tempo, já lançamos vários best sellers, podemos fazer do senhor uma estrela rapidamente.
            - Mas eu não quero escrever nada sobrenatural que esteja na moda, pra mim ninguém vai chegar aos pés do Poe.
            - Quem é esse Poe? - comentou o homem de pé - Quantos best sellers do NY Times ele já escreveu?
            James permaneceu parado, incrédulo. Terminou o uísque, cumprimentou os homens e saiu da sala. Enquanto se dirigia à porta ainda ouviu o que estava de pé comentar baixinho com o homem sentado:
            - Não acredito que alguém não goste de vampiros... são tão instigantes...

***

            James se despediu da recepcionista no saguão do hotel. Fechou a jaqueta e colocou sua touca. Caminhou algumas quadras e entrou num café espaçoso e bem iluminado. Pediu um expresso e sentou no balcão.
            Já no final do expresso o barman se aproximou e lhe entregou um flyer:
            - Hey, amigo. Se quiser apreciar uma peça que vai ser apresentada no segundo andar na semana que vem, aqui está um convite. É um pessoal novo, e estou ajudando eles a se lançarem.
            - James agradeceu sem olhar para o flyer. Colocou no bolso, pagou e seguiu seu caminho.
            Depois de andar mais algumas quadras colocou a mão no bolso em busca de suas chaves, o flyer veio junto e James resolveu ler: O Café Latte, apresenta na próxima quinta “O Vampiro do Central Park”, uma peça de Wallace Slater.
            James olhou pausadamente para aquele pedaço de papel e finalmente colocou de volta no bolso, dando de ombros.
            - Diabos! Por que não? Que mal pode fazer? – comentou consigo ao entrar no seu prédio.

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