16 de abril de 2012

Incerteza ...



            O som podia ser ouvido abafado no saguão do hotel. Vinha direto do salão de bailes que ficava na ala leste, a apenas setenta metros de distância. James se olhou no enorme espelho que havia no saguão, colocado logo acima de um sofá no estilo vitoriano e deu uma última arrumada no paletó. Sean vinha logo ao lado, dando bicadas em sua frasqueira com uísque.
            - Será que o Sam vai aparecer? – inquiriu James.
            - Acho difícil, ele nunca gostou desse tipo de badalação de alta classe. – respondeu Sean, parando enquanto James se arrumava – Diabos, o que tem de mal em aproveitar um open bar?
            James apenas sorriu para o amigo e deu uma batidinha em seu ombro para que seguissem o caminho. Ao abrir a porta deu de cara com um salão bastante espaçoso. Algumas mesas redondas dispostas acompanhando às paredes do salão, no centro, descendo um pequeno degrau, havia uma pista de dança, mas que no momento servia para que alguns pequenos grupos de conhecidos traçassem amenidades. Os dois amigos avistaram diretamente uma mesa onde se localizavam Paul, Nancy sua atual esposa, Estella, sua ex esposa, Lucy e algum cara que nenhum dos dois conhecia, provavelmente algum novo namorado. A cena na verdade ganhava um certo ar cômico devido ao fato de Paul estar “estrategicamente” localizado entre a atual e a ex.
            James e Sean se aproximaram, cumprimentaram todos. Lucy apresentou Robert, o atual namorado, aparentemente um grande advogado, sócio de alguma firma que tinha pelo menos três sobrenomes de famílias ricas da cidade. Enquanto James e Sean tomavam seus lugares, um dos garçons passou prontamente naquela mesa e ofereceu champagne. James pediu uma dose de vodka, enquanto Lucy, Robert, Nancy e Estella aceitaram cada um uma taça. Sean bicava seu uísque e Paul tomava um copo de gim com tônica.
            Alguns minutos depois as luzes baixaram e algum ex-colega aleatório fez um rápido discurso, agradecendo a presença de todos ao encontro de dez anos de formados, e convidou todos para um brinde. Enquanto alguns se levantavam sorridentes e brindavam alto à saúde dos formandos da turma de 89, James permaneceu sentado apenas levantando de leve seu copo. Sean por sua vez dava assobios radiantes enquanto os outros distribuíam batidinhas nas taças e copos dos demais. Após o brinde as luzes voltaram e o som ambiente junto com elas. Alguns aperitivos passaram pela mesa.
            Ali se encontrava uma parte de um grupo de amigos que haviam se formado no ano de 1989 na universidade,  Paul e Estella haviam cursado arquitetura, Sean e Lucy direito enquanto James havia se formado em Literatura Inglesa. Nancy e Robert estavam ali como acompanhantes apenas, ela formada também em arquitetura e ele em direito.
            - Vinte anos depois, cá estamos nós, amigos! – trovejou Sean com seu vozeirão.
            - E pouco mudou para alguns não é mesmo? – James comentou, deixando alguns dos amigos encucados com a frase.
            - Mas pra muitos mudou bastante não é mesmo? Quem diria que o Pauly seria o cara com mais ex-namoradas presentes na mesa? – comentou Sean enquanto levantava seu copo como num brinde ao amigo.
            Os amigos deram uma pequena gargalhada, inclusive o alvo da piada – Muito obrigado pelo comentário fora de hora, Sean.
            - A seu dispor, meu caro. – retornou Sean, com um sorriso de lado.
            Após alguns minutos de conversa sobre o que cada um estava fazendo e como andava a vida o namorado de Lucy, Robert perguntou para James:
            - E então, James, é possível ganhar a vida como escritor hoje em dia?
            - Paga as contas... – comentou James – Pelo menos na maioria dos meses.
            - Infelizmente, alguns escritores não sabem aproveitar as boas oportunidades não é mesmo “Sr. Não Escrevo Sobre Vampiros”! – exclamou Lucy levantando a voz.
            A amiga havia conseguido para James uma boa entrevista com alguns editores bastante conceituados em matéria de vendas. James havia estragado tudo na sua reunião com os dois.
            - Diabos, Lucy! Os caras queriam que eu escrevesse um maldito best seller do Times com fórmula pronta. O máximo que eu teria que fazer é preencher alguns espaços com nomes bonitos e alguns plot twists! – exclamou ele em protesto.
            - E ganharia muito bem por isso! – respondeu ela.
            - Nem tudo se resume em dinheiro – replicou James, parecendo ficar um pouco irritado.
            Robert, ao notar os ânimos aflorando tentou acalmar as coisas com uma brincadeira – Ora, isso é bem verdade, mas devo admitir que o dinheiro nunca me fez mal algum.
            - Pelo menos de que você tenha consciência não é mesmo... – comentou James, mais para o ar do que diretamente para o outro homem.
            Sean deu um tapinha no ombro de ambos e disse:
            - Ora, rapazes, não é hora de discutir por pouca coisa. – olhou para um dos lados, levantou a mão e fez um sinal gritando – GARÇOM! Traz mais umas doses duplas pra mim e pros meus amigos aqui.
            Após mais alguns minutos de conversa bastante superficial, os quais pareceram, para James, horas de discussão inútil, ele resolveu dar uma volta. Encontrou em seu pequeno percurso alguns ex-colegas.
            - Hey, James, como vai? O Sam não veio com você?
            - Pois é, parece que não vai vir, o Sam nunca gostou muito dessas reuniões oficiais.
            - Que pena, pensei que ele poderia tocar alguma coisa pra nós, essas bandas que contratam são sempre enfadonhas.
            - É verdade, uma pena...
            A banda contratada de fato era um pouco enfadonha, o mesmo tipo de música pop/rock para todos os gostos. Mas ao menos fez o pessoal focar sua atenção mais na pista de dança e menos na conversa fiada. No meio de seu percurso James parou no bar, na outra ponta do balcão ele podia ouvir Sean e Robert discutindo acaloradamente sobre alguma coisa de leis trabalhistas e coisas do gênero. Resolveu pedir uma dose de vodka.
            - Manda logo duas, barman. – comentou Lucy se aproximando.
            - Champanhe, vodka, isso não vai dar certo, Lucy. – comentou James, sem olhar para o lado.
            - E alguma vez você me viu dar vexame? – comentou ela dando uma risada – Tudo bem não precisa responder.
            Alguns segundo se passaram – Enfim, queria pedir desculpas pelos comentários. É só que eu acho que você podia fazer um esforço sabe. Seu trabalho é ótimo, mas as vezes a gente precisa de um empurrãozinho pra nos impulsionar. Se isso quer dizer engolir alguns sapos, bem, paciência.
            - Eu entendo a boa intenção Lucy, mas você falando desse jeito, nem parece a garota de 20 anos que conheci querendo mudar o mundo há mais de quinze anos.
            - Fala sério, Jamie, as coisas mudam. A vida nos leva a fazer algumas escolhas. Talvez se eu tivesse seguido com aquela forma de pensar estivesse de volta no sul, sem conseguir me manter por aqui.
            - Você sempre teria amigos, Sean, Paul, eles estariam lá.
            - Fácil pra você falar, Jamie, mas eu não consigo viver nessa corda bamba que você e o Sean vivem. Essa incerteza diária.
            - A vida é incerteza minha cara, por mais que você esteja bem materialmente o que impede o mundo de acabar amanhã? Ou seu cachorro de morrer? Ou a mim de ganhar na loteria?
            - As probabilidades meu caro.
            -Touche! – disse James, levantando o copo e batendo ele levemente no copo de Lucy. Após, deu uma coçada e leva na parte de trás do pescoço e perguntou – E esse cara, é ele o escolhido?
            - Talvez, não tenho certeza.
            - Você me falou a mesma coisa sobre aquele outro no casamento do Paul.
            - Bom, acho que essa é a parte da minha vida que eu deixo para a incerteza.
            - Touche, de novo. Sempre perdi pra você na retórica, “Lucy in the sky”.
            Lucy sorriu por James usar o antigo apelido de brincadeira – Só quando você quer, Jamie.
            Ambos terminaram seus drinques, Lucy foi em direção do namorado e os dois se dirigiram para a pista de dança. Paul já estava lá dançando com Nancy. Sean se aproximou do amigo e deu uma batidinha em seu ombro, hora de dançar meu caro, vamos em busca de algumas parceiras que tenham bastante ritmo.
            James olhou para o amigo. Sean era o exemplo da pessoa maluca. Em determinadas épocas era um trabalhador exemplar, um grande profissional, juntava dinheiro, aplicava, vivia como um verdadeiro trabalhador. Em outras se contentava em morar em um trailer e almoçar hambúrgueres grelhados em sua churrasqueira portátil. Que cara incrível.
            - Me diz uma coisa, Sean, como você prefere viver? Em uma casa no subúrbio, com muro baixo e um gramado bem aparado ou naquele seu velho trailer viajando por esse mundo?
            - Acho que nem um nem outro meu caro, eu só prefiro viver...
            James não precisou falar mais nada, levantou o copo em um brinde silencioso enquanto Sean se dirigia para um grupo de ex-colegas em busca de alguma parceira de dança.

8 de abril de 2012

A Maldição do Vampiro ...

             Os três homens se encontravam sentados na sala do 12º andar de um prédio central. O dia era frio, o vento chicoteava incessantemente nas enormes janelas de vidro que davam visão para a avenida central, porém o sol havia despontado após algumas horas e poucas nuvens se encontravam no céu. A sala era relativamente aconchegante, bastante iluminação natural, devido aos enormes vidros que ficavam no lugar da parede que daria para a rua. Havia também uma mesa de metal cromado com um tampo de vidro, além dos enormes sofás e poltronas azul marinho. James se encontrava sentado em um deles, tomando uma dose dupla de uísque. Dos outros dois homens, um estava em uma poltrona à esquerda, o outro se encontrava de pé com o copião na mão. Ambos usavam ternos bem alinhados, possuíam óculos sem aro e cheiravam a algum perfume que provavelmente fora comprado pela esposa. Era bem possível que os ternos e a combinação de camisa e gravata também tenham sido escolhidos pelas esposas.
            O que estava sentado comentou:
            - Nos interessamos por algumas partes do seu texto, Sr. Kindel. Em geral me pareceu uma trama pouco enrolada e sem muita ação, porém possui alguns diálogos interessantes.
            - Que bom. - comentou James após um gole no seu uísque. As mãos ainda tremiam um pouco, essas reuniões editoriais eram sempre um inferno, ainda mais nessas editoras grandes. Dessa vez tinha conseguido a reunião através da amiga Lucy. Ela possuía contatos, BONS contatos, daqueles que podem mudar uma carreira, para melhor ou pior.
            O homem em pé parecia mais inquieto, andava de um lado para outro, e parecia procurar certas passagens do livro:
            - É, nós gostamos, porém algumas modificações cairiam muito bem. Por exemplo, tem que ficar mais claro que o protagonista é um vampiro...
            - Mas o protagonista não é um vampiro! - exclamou James, assustado com o que ouvira.
            - Como assim não é um vampiro? E aquela parte que diz que ele queria “sugar o sangue das veias da vida, mesmo que tivesse medo”?
            - Ora, é uma simples metáfora. Quer dizer que ele gostaria de viver muito mais do que de fato tinha coragem de viver, é um homem preso dentro da própria vida.
            - Não é um vampiro que não gosta de se alimentar de humanos?
            - No máximo uma metáfora de um homem que se sente um monstro ao ter que tirar da vida esse “sangue”. - replicou James, cada vez mais assustado.
            - Mas ele não poderia ser um vampiro? - perguntou o que estava sentado.
            - Sim, vampiros estão na moda... - comentou o homem em pé, balançando os braços - impulsionam nomes, vendem muito, principalmente entre adolescentes.
            - Olhem bem, eu só queria falar sobre um cara comum e de situações corriqueiras dentro da vida dele. Um cara comum, mas com problemas e questionamentos profundos. Só isso.
            - O que você tem contra vampiros? - inquiriu o que estava de pé.
            - Diabos! Eu não tenho nada contra vampiros, a não ser o fato de que não escrevo sobre eles!
            - Não, não, não, essa atitude não vai ajudar nem um pouco o senhor, Sr. Kindle. Precisa nos ouvir, conhecemos o mercado, sabemos o que as pessoas querem ler.
            - Mas é exatamente esse o ponto. Eu não quero escrever o que todos querem ler, eu quero que nas páginas as pessoas se surpreendam exatamente com a realidade cruel de certas situações.
            - E quem sabe lobisomens? Não fazem tanto sucesso, mas podemos fazer funcionar, de repente se ele se apaixonar por uma vampira, ou até uma zumbi.
            James tomou mais um gole grande do seu uísque e respirou fundo - Vejam bem, eu não pretendo escrever sobre seres sobrenaturais, nem vampiros, nem lobisomens, nem sobre aliens. Minhas histórias são ficção, mas uma ficção verossímil.
            - Verossimilhança está fora de moda. As pessoas não tem mais paciência. Eles querem ação, aventura, amor...
            - E capítulos curtos... - completou o outro – com bastante plot twists...
            - Acho que essa reunião não está indo a lugar algum. - comentou James, já quase desistindo.
            - Hmmm, talvez não. - murmurou o homem sentado - Mas mesmo assim nós vimos uma certa qualidade no seu texto. Nos entenda, estamos no mercado há um bom tempo, já lançamos vários best sellers, podemos fazer do senhor uma estrela rapidamente.
            - Mas eu não quero escrever nada sobrenatural que esteja na moda, pra mim ninguém vai chegar aos pés do Poe.
            - Quem é esse Poe? - comentou o homem de pé - Quantos best sellers do NY Times ele já escreveu?
            James permaneceu parado, incrédulo. Terminou o uísque, cumprimentou os homens e saiu da sala. Enquanto se dirigia à porta ainda ouviu o que estava de pé comentar baixinho com o homem sentado:
            - Não acredito que alguém não goste de vampiros... são tão instigantes...

***

            James se despediu da recepcionista no saguão do hotel. Fechou a jaqueta e colocou sua touca. Caminhou algumas quadras e entrou num café espaçoso e bem iluminado. Pediu um expresso e sentou no balcão.
            Já no final do expresso o barman se aproximou e lhe entregou um flyer:
            - Hey, amigo. Se quiser apreciar uma peça que vai ser apresentada no segundo andar na semana que vem, aqui está um convite. É um pessoal novo, e estou ajudando eles a se lançarem.
            - James agradeceu sem olhar para o flyer. Colocou no bolso, pagou e seguiu seu caminho.
            Depois de andar mais algumas quadras colocou a mão no bolso em busca de suas chaves, o flyer veio junto e James resolveu ler: O Café Latte, apresenta na próxima quinta “O Vampiro do Central Park”, uma peça de Wallace Slater.
            James olhou pausadamente para aquele pedaço de papel e finalmente colocou de volta no bolso, dando de ombros.
            - Diabos! Por que não? Que mal pode fazer? – comentou consigo ao entrar no seu prédio.