21 de abril de 2011

Receita para as dúvidas ...



                O homem se arrumou como achava normal. Uma calça jeans melhorzinha e uma camiseta sem nenhuma estampa. Sempre se achara simples e não gostava de fazer propaganda de algo que desconhecesse. Resolveu não dar bola para aquela vozinha em sua cabeça e ir contra ela. Há algumas horas atrás a chuva fustigava o vidro da janela enquanto ele olhava o fim da tarde, deitado em sua cama, com um bom livro e uma xícara de café.
                Talvez fosse verdade a sensação de falta de pertencimento, talvez. Não sabia ao certo o que queria daquela noite. Rever os amigos, ver pessoas novas, ouvir uma boa música, tomar uns tragos. Tudo isso parecia já ser razão suficiente para não se entregar à preguiça ou à dúvida. Mas sentia no fundo uma vontade de não calçar o tênis e de ficar deitado de meias e pijama.
                Conversa vai, conversa vem, e a noite desaba. Chega até a doer para alguns. Diabos, talvez essa seja diferente, talvez alguma coisa mude como um passe de mágica. Quem sabe a confluência astral não mostre algo diferente nos céus. É, só se for mais água a desabar. Lá por umas 23:00 horas a água deu uma trégua, e ele pensou que isso pudesse ser um sinal bom. Pura bobagem e esperança de tolo. Nada, nada mesmo consegue mudar o que é imutável.
                De resto tudo aconteceu como se fosse automático. O homem não entendia bem como se sentia. Calor dos infernos! Aperto. Como é que eu vim parar aqui mesmo? Ele se perguntava ao mesmo tempo em que questionava seus mais belos devaneios. Bela hora para rever conceitos, tudo ótimo, nada novo no fronte. A guerra continuava com tiroteios frenéticos, e o homem seguia lá, com o fuzil em riste e sem saber para que lado mirar, com medo de machucar quem quer que fosse que se interpusesse entre ele e seu objetivo.
                Objetivos? Bom saber que alguém pensa nisso hoje em dia, “eu não” pensou o homem. Barba bem feita, perfume novo, tudo perfeito, perfeitinho. Não, não mesmo, se lembrou de que não era bem assim. Ficou ali sentado na mesa envolto em pensamentos, dúvidas, questionamentos malucos. Não sabia muito bem o que fazer e pensava se deveria ficar ali ou não. Em algum momento quase se levantou, mas no máximo caminhou até o banheiro. Trocou amenidades, riu um pouco. Olhou para os lados e avistou cinco amores de sua vida. Suava um pouco já, se sentia nervoso com isso. Droga, como isso acontecia sempre? Opa, agora eram quatro amores só. Piscou e eram três. Meio copo de cerveja depois e ele se encontrava em dois amores e então, poft! Sobrou só um amor. O homem não conseguiu controlar seu maxilar e ficou ali, abobado, assistindo isso. Minutos, tinham se passado minutos. E era isso, a cerveja desceu doce. Era estranho falar em doce.
                Lembrou do bolo de páscoa em casa, do café com leite sendo preparado no fim da tarde. Ahhh, que vontade! Levantou, andou um pouco, trocou mais amenidades, quantas esperanças, quantas vontades, quantas desvantagens e desconhecimentos. Olhou a hora. Se assustou com o pouco tempo transcorrido desde a última olhadela. Olhou para aqueles cabelos, perdeu alguns minutos naquele movimento. Perdeu muitos mais se questionando sobre dúvidas que já deveriam ter sido resolvidas.
                Pagou a conta magra. Noite ruim, o resto talvez fosse pior, não sabia bem o que esperava. Não chovia mais, mas as nuvens no céu prometiam um amanhã no mínimo nublado. Abriu a porta de casa rangendo lentamente. Bufava consigo ao esquentar o leite para o café. Sim, leite, nada de café puro, queria com leite. Pegou um pedaço do bolo de páscoa. Doce. Um pacote de bolacha salgada. No fim era isso. A cama se encontrava desarrumada, a última noite fora bastante inquieta. Calor e frio o haviam incomodado. Sentou e pensou. No final sobrava isso, uma xícara de café, um pedaço de bolacha salgada, e alguns devaneios em sua cabeça. “Bela noite”, repetiu para si. Ria sozinho, pensando se algum dia isso mudaria.
                “Nós somos só um coração. Sangrando pelo sonho. De viver. Eu nunca fui o rei do baião. Não sei fazer chover no sertão” ... Tocava quando ele decidiu desistir de pensar, quanta verdade é necessária, se perguntou? Quanto de mim eu sei? Talvez fosse mais fácil mesmo se houvesse uma receita. Se fosse só entregar um currículo e esperar a resposta ...

18 de abril de 2011

Seriam dragões ou moinhos de vento ???


         
          Acordei cedo novamente. Belo dia. Busquei minha velha moto com motor já meio enfraquecido pelos anos e com bastante depósito de carbono no cano. Ela deu umas tossidas fracas a principio, soltou uma fumaça espessa que tomou conta da garagem e me fez tossir junto. Logo depois ela soltou o velho ronco já conhecido e fiz uma cara contente.
         Corri para dentro da casa, fechei as últimas luzes, peguei as chaves, minha mochila e meus óculos. Estava pronto para a estrada. Admirava-me um pouco o tempo para tomar essa decisão. Mas fazia sentido, eu sempre fora bastante indeciso, estava sendo eu mesmo ainda agora. Fechei a porta da garagem, dei uma última olhada para aquela casa. Boas lembranças, algumas ótimas por sinal, mas era hora de encarar um pouco a estrada.
         Corri até a caixa do correio, uma carta de Paul, bem curta. Contava sobre a lua de mel, agradecia a presença e as palavras durante o casório, mandou junto uma foto de todos os amigos reunidos. Há anos não nos juntávamos. Quem sabe tenha sido esta a última vez com todas aquelas faces no mesmo local. Coloquei a carta na mochila e corri de volta para a moto. Tinha sede da estrada.
         Não me encontrava desesperançado, por mais que pareça isso. Apenas não me encontrava mais. Sentia que o velho James havia perseguido por toda a vida ideais insensatos e comerciais de margarina. Cocei a barba ainda meio rala, senti o ar frio no rosto e pensei que era hora de me dirigir ao sul e ao sol. Poucas nuvens no céu, o dia seria frio mas bonito, nada de chuva por enquanto no meu caminho, o capacete mantinha minha identidade intacta e desconhecida. Acelerei.

***

         A estrada já se tornava cansativa, a noite desabara rapidamente depois que me perdi nos quilômetros a minha frente, estava meio perdido sobre meu paradeiro e logo teria que encostar em algum posto em busca de auxílio para retomar o caminho. Não tinha mais tanto auxílio nem mesmo da minha mente para me dizer o caminho. Sentia que nunca tinha tido um muito bem traçado, mas tudo bem. O ar do deserto começava a gelar e o vento forte chispava no couro da jaqueta mostrando que podia ainda cortar.
         Parei no primeiro posto que encontrei. Peguei algumas informações sobre minha rota e resolvi comprar uma lata de salsichas e uma cerveja. Os dois gêneros alimentares haveria de bastar por enquanto. Alguns quilômetros a frente, avistei uma grande fenda a direita da estrada. Parecia uma trincheira de alguma guerra de outrora, ou então um antigo leito de rio, com o fundo arenoso e fino. Me coloquei perto de um dos lados do pequeno “talude”. Montei a tenda de forma a me proteger do vento. Comi as salsichas frias mesmo, pois não tinha como acender fogo por ali, a cerveja ainda se mantinha relativamente gelada. Me deitei sobre meu cobertor de lã duplo e fiquei encarando o céu estrelado com uma expressão que misturava um pouco de tédio e um pouco de curiosidade. O que será que encontraria pela frente? Como seriam as coisas dali em diante?
         Terminei minha cerveja e fui dormir sem conseguir concluir muitas coisas. Sentia-me meio bobo agindo dessa forma, mas talvez eu o fosse mesmo. Não buscava mais alcançar o ideal que nunca tinha sido meu. Estava “fora do páreo”, e só queria sentir um pouco mais o vento no rosto e fantasia como sempre fizera. Antes de dormir, porém escrevi alguns rabiscos no meu bloco.
         Segui caminho no outro dia, ainda um pouco confuso mas com a estrada serpenteando quase infinitamente em minha frente, via enormes formas na beira da estrada, não sabia bem o que eram, talvez dragões, talvez apenas moinhos de vento, e eu seguia com minha moto como se fosse Rocinante, de queixo erguido pensando se tinha motivos para mais alguma aventura.
         - Jamie,é hora de deixar os velhos medos escorrerem ao correr do vento. - Falei para mim mesmo.
         Segui em frente deixando a estrada comandar e buscando o caminho certo, não estava com meu companheiro Sancho, e nem tinha minha lança em riste para combater os dragões, mas tinha algumas poucas certezas e do resto minha imaginação se encarregava. Pensei rapidamente no poema que rabiscara na noite anterior naquele pedaço de papel sujo de areia e barro. Talvez fosse verdade, talvez. Me despedi da convicção absoluta e cumprimentei o sonho...

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Solo

Sem sentido?
Não sei se acho
Acho que não sei na verdade
Sem sentido é viver assim

Desconexo
Como há muito não
Mas é desesperança que sobra
Fome, no momento é de silêncio
E a barriga ronca, o cerébro também

Vem logo espírito maluco
Preciso de visita
Campainha não toca há tempos
Estragou eu acho

Estraguei eu talvez
Estraguei e traguei
Um trago
Saúde!

5 de abril de 2011

Há dias e dias ...



            Acordei cedo naquele dia. Tinha a total certeza de que seria bom. O céu se encontrava limpo, sem nuvens, parece que até o clima tinha pensado em dar uma forcinha. Alguns pássaros piavam, não lembrava mais como era seu canto matinal. Tomei meu banho e me forcei a fazer a barba grossa e espetada que levava comigo nos últimos meses. “A ocasião pede”, pensei eu olhando para o espelho. Me coloquei nos meus melhores trajes, e depois de alguns minutos consegui dar o nó na gravata.
            - Droga, detesto essa coisa apertada no pescoço. - Xinguei a esmo sem ter ouvintes.
            O terno já era meio surrado, havia visto muitas primaveras, invernos, verões e outonos. Eu o utilizava raramente, mas era minha roupa para dias felizes. E esse seria um dia feliz, eu sentia, até a última molécula do meu ser. A ponta dos dedos formigava, sentia um contentamento difícil de descrever, me sentia completamente pleno por ter errado feio.
            Peguei o telefone e disquei o número rápido. Após chamar algumas vezes Sam atendeu.
            - Pode falar, Jamie.
            - Vai demorar muito?
            - Estou há duas quadras da sua casa.
            - Ok, já me aprontei.
            Meio minuto depois lá estava o carro de Sam parado em frente ao meu apartamento. Sean já sentava no banco da frente, com seu whisky nos lábios.
            - E aí, Jamie! Pronto prum dia de pura diversão? - Trovejou ele.
          - É claro meu amigo, ultimamente não tem sido muitas as oportunidades.
            Sam perguntou logo após:
     - Seu convite chegou com um P.S. ?
            - Chegou sim, fiquei na dúvida se ele havia mandado pra todos.
            - Aparentemente só pra nós dois.
            - Diabos, o que dizia no tal P.S.? - Sean se meteu na conversa.
            - Nada importante, decerto uma mensagem que Paul só queria que eu e Sam lêssemos... - Disse eu, narrando o óbvio. Continuei - Acho que de uma forma ou de outra nossos discursos conseguiram subverter os muros de defesa que ele sempre levantou.
            - Fico feliz em acreditar nisso também. - Concordou Sam com um sorriso.
            - Cacete, acelera esse troço. A gente tem muito o que fazer ainda. - Gritou Sean tomando mais um gole do whisky.

***

            A cerimônia rolou normalmente, foi bastante diferente de como fora com Estella. A família de Nancy parecia feliz e isso era uma novidade para Paul. Fomos depois diretamente para a festa.
            Cheguei assobiando:
- Meu amiiigo, não poupou grana pra essa festa hein!
            - Dessa vez não, acho que mereço. - Paul me falou enquanto abria os braços para me cumprimentar.
            - Merece com certeza.
            Cumprimentei Nancy também. Não a conhecia muito bem, mas parecia ser uma boa pessoa. Acho que finalmente Paul teria um pouco da calma que necessitava em sua vida. Penny também estava lá, as crianças brincavam com a cachorra na grama correndo de um lado para outro e sujando suas “roupas de domingo” enquanto Estella gritava com eles. Sean dava risada da cena. Sam e Miranda conversavam em uma mesa enquanto tomavam um pouco de vinho. Evelyn se encontrava conversando com algumas pessoas que eu não conhecia. Lucy aparentemente ainda não chegara, não lembro de tê-la visto na cerimônia também.
            Resolvi me sentar numa mesa e pegar uma cerveja. Bebia sozinho ali no canto ouvindo um pouco da música e assistindo às cenas que cada um dos meus amigos me presenteava. Alguns minutos depois ouvi uma voz me tirando do meu mundo de sonhos.
            - Que faz sozinho aí nesse canto, Jamie?
            Olhei para trás de susto, e era Estella que puxava uma cadeira e tomava uma taça de champanhe - Pelo visto o Paul conseguiu seguir em frente.
            - É acho que conseguiu sim... - Respondi meio no automático.
            - Acha que vai durar?
            Sem olhar ainda diretamente para Estella falei - Acredito que sim, Nancy parece ser uma moça legal.
            - Eu era legal quando casei com Paul. - Disse Estella com a voz meio embargada.
            - Ainda deve ser Estella, só não foi legal com ele. E o marido como anda?
            - Não quis vir, achou que ia ser constrangedor.
            - Talvez... e como está o casamento?
            - Bom, eu acho. Talvez tenha perdido o jeito de julgar essas coisas. Será que é um pecado tão grande buscar coisas melhores?
            - São jeitos de ser Estella, e com o Paul não funcionava. Talvez com o Sean, com ele você teria novidade.
            - O Sean é um porco! - Exclamou ela com uma cara de insultada.
            - Os porcos são criativos, Estella. - Falei eu rindo.
            Estella se levantou. - Obrigado pelo papo, Jamie. Vou atrás das crianças.
            Fiz um gesto com a cabeça e levantei a cerveja para ela como que fosse fazer um brinde.

            Um pouco antes do jantar Lucy finalmente chegou. Cumprimentou a todos rapidamente, inclusive a mim, depois correu para Paul e se desculpou pelo atraso, havia tido um problema em casa. Apresentou a todos o atual namorado. Acho que era um empresário ou algo assim, terno de marca, cabelo arrumadinho, barba bem feita e uma colônia que provavelmente custava uns três salários mínimos.
            Durante a janta pedi rapidamente a palavra:
            - Dos amigos aqui acredito que seja o que conhece Paul há mais tempo. Fico feliz por vê-lo feliz, fico feliz por sentir que ele soube traçar o seu caminho apesar das críticas e dos conselhos. Acho que no fim é isso que conta não? Saber traçar seu próprio caminho, saber aceitar as próprias escolhas e não acreditar em certas e erradas. Talvez se ele acreditasse em tudo que eu falo não estivesse aqui hoje. Espero realmente que meu amigo seja feliz. Não que até hoje ele não tenha sido, não pense na vida como uma preparação para esse momento, a vida são só momentos e é isso. Hoje é um feliz, amanha um triste, quarta-feira um morno. E a gente nunca se encontra totalmente preparado. Saúde aos noivos. Paz à todos.
            Após a janta Sam nos presenteou com algumas músicas e Miranda também, brincamos um pouco com a banda. Paul estava feliz. Já era alta madrugada, Sean conversava empolgadamente com uma dama de honra que eu não conhecia, acho que era prima de Nancy. Sam dedilhava em um canto a guitarra com uma taça de vinho. Miranda já havia ido embora. Lucy conversava animadamente com Paul, Nancy e seu namorado. Evelyn se aproximou de mim enquanto eu bicava já uma água mineral com gás.
            - Isso enferruja. - Disse ela rindo.
            - Que piada bem velha, Eve, pode fazer melhor.
            - O comediante sempre foi você, Jamie.
            - Touchê...
            Troquei a água por mais uma cerveja.
            - Acha que dura? - Perguntou Evelyn.
            - O que? - Falei meio distraído.
            - O casamento oras.
            - Ah, sim. Acho que sim, parece uma garota legal.
            - E isso lá é motivo.
            - Quis dizer que parece disposta a fazer valer. Para mim é isso que vale, a vontade de cada um de fazer o amor vingar.
            - Poético. - Soltou ela.
            - Piegas, eu diria. Mas é o que acredito. Racional, denso, pensado.
            - Você não muda mesmo não é, Jamie?
            - O tempo todo minha querida, mas mudo em círculos eu acho.
            Evelyn se despediu e foi embora, fiquei olhando para ela e pensando na vida. Olhei para os casais dançando lentamente na pista. Mary se aproximou de mim e puxou a manga do meu paletó:
            - Tio James, dança comigo?
            - É claro, princesa.
            Dancei com minha afilhada, e logo após sentei em meu lugar novamente, Mary se deitou e apoiou a cabeça em meu colo, já estava quase dormindo. Me perguntei se havia errado no caminho em algo, gostava das crianças, mas ultimamente tinha tão pouco contato com eles. Cresciam numa velocidade incrível e eu parecia parado em um momento. Ajudei Estella a colocá-los no carro e ela foi embora para casa.
            Voltei para o pátio:
            - Há dias e dias. - Falei para mim mesmo.
            Tinha sido um dia bom, muito bom de fato. Cocei meu rosto, sentia falta da minha barba. Afrouxei a gravata e fui em direção à meus amigos. A noite ainda iria durar, talvez pudesse melhorar... talvez...

2 de abril de 2011

Ser ...

Sou o que sou como uma soma
Ideologias e ações
Enquanto respiro sou, faço, crio vida
Subo nessa montanha tão alta
Tento avistar os erros e as verdades
Penso no medo de ser e me entrego às dúvidas
Essas certezas do (des)saber
Fazendo poesia
Pensando no caminho
Esquecendo a verdade
Refletindo sozinho ...

26/04/2009 - 17:54