20 de março de 2011

"O Vento ..."



            O sol invernal não ajudava a aquecer naquela manhã de dezembro. As águas do Atlântico eram as mesmas que já havia conhecido anos atrás, e ao mesmo tempo não. Eu tinha a fronte já queimada pelo tempo que estava no mar. Sentia-me um pouco cansado e solitário demais no fim da viagem.
            Certa vez me falaram que o mar é um dos inimigos mais implacáveis para derrubar um homem. Eu nunca fora um homem do mar. Tinha um amigo que conhecia bem a pratica de velejar e me ensinou tudo que sabia, porém nunca havia velejado sozinho até essa data. Foi quando surgiu essa bela oportunidade. Uma pequena viagem para realocar o veleiro desse meu amigo. Um favor para ele, uma aventura, oportunidade de me colocar sozinho comigo mesmo e a par dos meus pensamentos. Obviamente, ele pensou em mim na mesma hora quando comentou dessa viagem em uma época em que ela deveria ser feita por um só homem, afinal, as festas de fim de ano estavam acontecendo, e ele não conhecia ninguém tão tranquilo com a solidão como eu. Me lembro bem de suas palavras na ocasião.
            - James, preciso de um favor que só você pode me fazer, levar o meu veleiro para minha cidade. Você sairia em dois dias, isso significa que quando as festas chegarem estará sozinho no mar. Aceita? - Eu aceitei.
            - Sabia que não me decepcionaria, quando pensei na solidão do mar sabia que era o homem certo para isso. - Disse ele, com um sorriso feliz na face.
            A primeira semana foi espetacular, as maravilhas que vi, os sentimentos que me passaram pela cabeça, são indescritíveis para quem não estava lá. O horizonte a perder-se de vista, aquela estrada azul enorme à minha frente e a calma do balançar sob meus pés. Escrevi, pensei, repensei, refleti. E a verdade é que, alguns dias depois, já tinha uma fome de palavras faladas. Queria ouvir uma voz que não fosse a minha. Queria a voz de trovão de Sean gritando algum disparate. A voz mansa de Evelyn por trás de seu sorriso torto, comentando sobre sua última pintura. A calma de Sam ao me explicar por que ele havia mudado o tom de sua última criação melódica.
            Fiz um café, sentei no meu local já habitual na popa, o mar estava parado, mas eu sabia que logo o vento chegaria. Estiquei-me bastante e comecei a preparar as velas. Acho que estava enganado. Sempre acreditei com muita força que era fácil conviver comigo mesmo. Passei meu aniversário no mar. Pela primeira vez na vida sem um chão abaixo de mim. Somente litros e litros de água. Brindei sozinho “às causas perdidas...”. Sempre brindava a isso nesse dia. Talvez naquela vez tenha feito mais sentido do que em todas as outras.
O vento começou a soprar bem forte. Mudança, seria típico pensar nisso, mas para mim significava mais. Significava o retorno. Significava a saudade sendo corrida de meu peito a pontapés. Sorri ao ver a terra, senti o vento em meu rosto, fazendo curvas nas marcas que ele já possuía. O mar acaba com os homens. Acho que entendo a frase agora. Aprendi a respeitar esse grande “ser”. Meu oponente e até companheiro. Pensei , na época, que talvez eu ainda voltasse a enfrentar e me aventurar por ele novamente. Mas sabia que naquele momento queria não depender do vento, queria que ele soprasse de forma trivial, desinteressado. Fosse uma brisa ou uma ventania, me dissesse apenas palavras boas e não trouxesse perguntar difíceis. Ou então que apenas soprasse, displicentemente, nas manhãs de inverno, embalando tantos navegantes solitários por outros mares que ainda não conheci.

2 comentários:

WaL disse...

Como já disse Amarante uma vez:
" Posso ouvir o vento passar,
assistir à onda bater,
mas o estrago que faz
a vida é curta pra ver...
Inevitável não pensar nessa música, não?! Bjosss

Michele Moura disse...

Quanta coisa me passou pela cabeça enquanto lia... Hemingway (the old man and the sea), Scorpions (The wind of change), a "solidão" auto-imposta dos meus aniversários... e mais umas tantas coisas... Caramba!

"... quando pensei na solidão do mar sabia que era o homem certo para isso." -- E fiquei me questionando como parece 'deprimente' ser lembrado como uma pessoa solitária. E é isso o que acontece quando os outros não chegam a conhecer a gente de fato...

Mais um texto teu que me comove profundamente. Tu és um poeta, João!