1 de março de 2011

"Hora do mergulho ..."

    
    O vento passava velozmente pelo rosto da mulher e fazia seus cabelos ficarem mais ondulados ainda, sendo jogados para trás com força. O Corvette 61 do pai dela ainda tinha toda a potência de quando ele a ensinara a guiar nas estradas de chão, perto da fazenda. Ahhh que dias fáceis eram aqueles. Sem dúvidas sobre o que fazer, almejando apenas se divertir. Tinha diversos amigos na cidadezinha de interior, e quando ia ao centro sempre se encontravam. Era bom estar entre eles, não se sentia bem fazendo "coisas de menininha", por isso tinha mais amigos garotos.
    Lembra que a mãe sempre reclamava disso, e ficava repetindo que deveria ser mais como a prima. Sempre bem arrumada, aprendendo as coisas com a mãe e se preparando pra uma vida incrível. Ela nunca fora assim, não era rebeldia, apenas não gostava de água parada e sentia que precisava sair daquele buraco. Se formou em artes e foi para o norte. Cidade grande, luzes, toda a nata intelectual que não podia encontrar no sul com suas enormes plantações e sotaques estranhos. Foram alguns anos depois que recebeu a notícia da morte da mãe. Lembrava-se exatamente da viagem de volta, lembrava da ida para o norte carregada pela felicidade e dessa volta ao sul embalada por lágrimas e uma letargia quase incontrolável. Sucedendo tudo isso a doença do pai fez com que ela se visse presa em sua cidade natal. Tomou conta da fazenda, devia tudo àquele pai maravilhoso que tivera, que a havia apoiado em todas suas empreitadas e que via o que os outros chamavam nela de excentrícidade como originalidade e uma criatividade incomparáveis.
    Seu ânimo era pouco e ralo, as expectativas eram pequenas, perdia talvez seus melhores anos de criatividade em uma cidadezinha de quinze mil habitantes há centenas de quilômetros das grandes galerias. Não pintava mais, não por falta de criatividade, mas lhe faltavam forças e vontade, parecia um conspiração para derrubar todo seu ânimo. E derrubada assim, quase uma sombra nula do que já fora, conheceu alguém que lhe fez um pouco mais feliz naquela hora tão desesperada. Bobby definitivamente não era perfeito, mas naquele mundo em que se encontrava foi o máximo que ela pensou possível encontrar. Perdera as esperanças e não parecia a mesma mulher. Encolhera-se em um casúlo. Era como se a borboleta voltasse a ser larva, sem notar que esse tipo de movimento é anti-natural.
    Obviamente o casamento não durou, uma mulher como ela não iria aguentar por muito tempo um macho alfa como Robert., É claro que no início as coisas funcionaram, mas com o tempo vieram traições, viagens longas, e até uma tentativa de agressão que terminou com Bobby fugindo da casa de cuecas, enquanto ela tentava fazer mira com a velha calibre doze do pai, eram algumas das situações que ela teve de suportar. Não nascera para aquilo, nem para se submeter a esse tipo de vida. Tinha todos os sonhos do mundo em seu cerne. Foi nesse momento que olhou para a fotografia do pai em cima da lareira. Ele não mais habitava aquelas paredes, a fazenda há muito deixara de ser aquele lugar que, apesar de simples e rústico, tinha suas lembranças felizes. Pensou no quanto não aguentava mais sentir o ar preso nos pulmões, em quanto precisava descongelar e tentar ganhar um pouco do tempo que havia perdido.
    Era hora de mergulhar novamente em águas mais profundas, lá se sentia bem, se sentia calma em meio aos milhares de cardumes que passavam a sua volta, sentia aquela sensação de surdez mesmo com os milhares de sons da cidade. "Feche os olhos, tome ar, é hora do mergulho". Tirou da  garagem o velho carro do pai e se encontrava novamente na estrada. "A estrada é a vida ...", pensou ela. Novamente livre.

    "Well, I feel, yes I feel
    feel that a low down time ain't long
    I'm gonna catch the first thing smokin'
    back, back down the road I'm goin'"

    - É isso mesmo Muddy ... - Sussurrou enquanto acelerava ao máximo com as estrelas chispando sobre os cabelos.

    Ela encarava aquela estrada aberta e escura com o carro do pai, ouvindo as músicas que ele lhe ensinara a gostar. Sentia praticamente sua presença ali. Sentia que o que fizera deixara-o feliz, e isso para ela estava de ótimo tamanho. Não entedia como havia aguentado tanto tempo parada naquela cidade, com aquele homem, e questionava de seus atos, mas ao mesmo tempo os aceitava, era hora de prender a respiração e saltar. Alguns quilômetros a frente avistou a capital, e decidiu parar em um bar.
    Entrou, fazendo um sorriso com o canto da boca, notou que conhecia a banda que tocava no jukebox, mas simplesmente não conseguia lembrar o nome, sabia que era bom. Sentou há um banco de distância de dois homens que conversam, um deles usava um chapéu de cowboy e falava alto, quase gritando, o outro tinha um caderno e uma caneta soltos no balcão a sua frente e parecia falar mais baixo e de forma mais calma. Pediu ao garçom um Martini com vodka e então o homem com o vozeirão gritou:

    - Hey, por que diabos as mulheres nunca pedem um scotch? Não entendo esses drinks.

    Evelyn riu sozinha da assertiva do estranho. Talvez finalmente as coisas pudessem ficar interessantes ...

3 comentários:

jandora disse...

Robert ou Bobby?
rá...
gostei.

WaL disse...

Definitivamente...cool! :D

João disse...

A Evelyn é cool demais ... com certeza é a mulher perfeita =P