Era uma tarde comum de terça-feira.
O sol não se decidia se ficava no céu ou deixava espaço para algumas nuvens que
passavam manhosas por seu caminho. O homem andava no meio do turbilhão de
pessoas pelo calçadão no horário do almoço. Somado ao alvoroço já comum daquele
horário o homem notou uma junção gigantesca de pessoas mais a frente. Apesar do
pouco tempo que tinha para o almoço a curiosidade venceu a sua habitual
racionalidade. Seguiu em frente para ver do que se tratava.
Um agrupamento de jovens se
manifestava. Pelo que notou a princípio parecia se tratar de algo como aumento
de passagens de ônibus, ou algo do gênero. Aquilo já parecia comum naquela
época. Ficou algum tempo parado ali olhando e pensando na vida. Perdido em
lembranças e devaneios. No meio daquela turba avistou um garoto jovem. Devia
ter por volta de 18 anos e gritava com força aos quatro ventos palavras de
ordem e pedidos por mudança. Parecia trajado da própria ideologia e não tinha
medo de demonstrar aquilo.
O garoto notou aquele homem que
parecia meio perdido em meio àquele contexto. Olhando abismado para uma
situação que parecia já ser corriqueira. Olhando com olhos que pareciam conter
um misto de estranheza e identificação.
E ali estava aquela dicotomia,
pareada pelo tempo e pelo espaço. Um garoto de 18 anos vestindo jeans rasgados,
camisa de flanela e cara pintada. Um homem adulto, vestindo terno e gravata,
uma pasta de couro e uma coleira invisível no pescoço. E o homem pensava, e
lembrava de dias diferentes. Dias em que acreditava mais, vivia mais, pensava
mais. O homem sentiu uma semelhança imensa daquele garoto com seus dias de
juventude, e assim sendo viu o quanto as coisas haviam mudado. O garoto olhou
para o homem com um olhar de esperança, como se aquele homem fosse ali mesmo
arrancar a gravata e se juntar à passeata que pensava em todos. Que aquele
homem ia esquecer da necessidade criada por ele mesmo de ganhar mais e mais
para si, muitas vezes sem nem mesmo trabalhar o suficiente para aquilo.
E aquele garoto pensava, olhando
aquilo, como alguém se deixava levar por aquele caminho? Como alguém podia
entregar sua liberdade e sua criatividade? Como alguém podia se vender por algo
tão pouco valioso como dinheiro? E nesse momento o homem pensava como aquele
garoto podia ter aquela coragem, de não ligar pra absolutamente nada a não ser
suas próprias ideias e vontades. E o homem pensava em que momento tudo havia se
tornado tão diferente. Aonde em meio ao caminho tinha ficado tudo aquilo que fazia
dele, ele mesmo.
Cruzaram
olhar, e um segundo depois a marcha continuou, com o garoto bradando a verdade
aos quatro ventos. O homem estancou, pegou sua pasta escorada em sua perna, no
chão, e seguiu seu caminho para o almoço. Um era a ideologia em pessoa, o outro
um avatar da vergonha e desapontamento.