Mais de um ano já havia se passado
sem que James voltasse à cabana dos amigos. Muitas coisas haviam mudado, mas no
geral sempre esperava encontrar Sean e Sam por lá. Talvez Estella aparecesse,
ou Paul com a esposa no fim de semana. James sempre gostava das ocasiões em que
podia estar junto dos filhos de Paul, já que aproveitava bastante da companhia
das crianças.
No ano que havia se passado James se
dedicou mais e mais à escrita e acabou se isolando um pouco na cidade, em seu
velho apartamento. A última visita à cabana havia sido no casamento de Miranda
e Lee. Uma reunião simples entre amigos na qual James fez questão de estar
presente a fim de parabenizar ambos. Lee se tornara um grande amigo e um grande
mentor. Era um homem um pouco mais velho, com boa experiência de vida e uma paciência
incrível para conversas longas. James e Sam o viam como um grande guru. Queria também
participar desse momento com Miranda, com quem se relacionou por algum tempo e
ainda mantinha um enorme afeto quase fraterno. Primeiramente a reunião dos
amigos foi com uma pequena cerimonia que lembrava os costumes dos índios
Lakota, dos quais Lee possui sangue. Após tudo aconteceu com maior descontração
enquanto o casal conversava com os amigos tentando dar atenção a todos que
estavam por lá. James e Sam gostaram muito das conversas. Nessa ocasião Evelyn
não mais apareceu, como James imaginava que aconteceria. De fato ela havia ido
embora de uma vez por todas. Dentre os amigos foi a única falta. Todos os outros
estavam lá, Paul, Nancy, os filhos, Estella, e Lucy, que viera ficar mais um
tempo na cabana. Parecia estar se acostumando com aquela vida e finalmente
voltando a ser a Lucy dos velhos tempos. Isso fez com que uma grande felicidade
somasse no interior de James.
Agora, pouco mais de um ano mais
tarde James estava de volta e esperava reencontrar os amigos. Logo de cara viu
Sam em sua canoa, no meio do lago. Não fazia movimento algum, apenas segurava a
vara de pescar e mantinha o dedo preso na linha à espera de algum movimento.
Vendo o amigo concentrado, James deu um grito alto:
– E aí, já pegou o suficiente para o
almoço?!
Sam pareceu despertar de súbito.
Olhou em direção a beira d’água e abriu um grande sorriso. Assim fez o caminho
remando de volta à margem.
– Bom ver você meu amigo, quanto
tempo. Como tem passado? – inquiriu Sam ao sair da canoa.
– Vou bem, vou bem. Tentando
escrever sempre mais. Estou com alguns planos de uma edição na Europa, só falta
acertar tudo com meu agente de lá.
– Bom saber, muito bom mesmo. E
então já encontrou com o Sean ou a Lucy?
– Ainda não, ela ainda está por
aqui? Que maravilha!
– Pois é. Mas é bom então que eu
tenha encontrado você. Sabe, a Lucy tem cada vez mais se assemelhado àquela que
conhecemos na faculdade. Voltou a passar muito tempo com o Sean, e
consequentemente. Bem, eu sei sobre seus sentimentos fortes por ela, então acho
que é bom que saiba já que eles estão juntos. Sabe, pra você não se assustar.
James por alguns segundos, mas logo
voltou à sua calma habitual. Aquilo não era algo pelo qual esperava, mas tudo
bem, as coisas são assim na vida. Se lembrou então de uma passagem de um belo
poema de Pablo Neruda, apenas recitou ele:
Si consideras largo y loco
el viento de banderas
que pasa por mi vida
y te decides
a dejarme a la orilla
del corazón en que tengo raíces,
piensa
que en ese día,
a esa hora
levantaré los brazos
y saldrán mis raíces
a buscar otra tierra.
Sam abriu um sorriso largo e abraçou o amigo.
***
A recepção por parte de Sean e Lucy
fora igualmente amigável. Sorrisos, perguntas sobre a vida, uma surpresa um
pouco fingida por parte de James e, por fim, um vácuo de ligação que fez com
que ficassem alguns minutos quietos, apenas bicando o café quente das canecas
em cima da mesa de madeira.
Noite adentro mais pessoas surgiram
e as conversas giraram. James encontrava-se deitado numa rede entre dois
pinheiros ainda jovens que eram perfeitamente parelhos. Dava goles pequenos em
seu chá enquanto vislumbrava a cena que ocorria de conversas, música, dança e
inspiração. Lucy se aproximou silenciosamente, do jeito que sempre fizera, como
uma loba branca que se camufla no gelo a fim de surpreender sua presa.
– E então, estranho, quanto tempo na
cidade grande.
– Lucy in the sky, nem vi você se aproximar.
Lucy deu um sorriso largo e os olhos
azuis brilharam à luz do fogo que queimava próximo – Que bom que voltou,
pretende ficar quanto tempo?
– Ainda não sei, talvez pouco, estou
pensando na possibilidade de lançar algo no mercado europeu.
– Nossa, que bom. Parece que as
coisas se acertaram então?
– É, acho que finalmente emplaquei
algo, os editores daqui gostaram.
Um silêncio curto se fez enquanto
ambos olhavam um para o outro. James o quebrou:
– Então, você e Sean.
– Pois é, que doido não?
– Talvez surpreendente, mas não
doido. O Sempre teve jeito com o sexo feminino.
– É, acho que me conquistou, não sei
ainda como tudo se conformou. As vezes tenho medo que isso seja só escapismo
sentimental, que eu tenha me apaixonado só pelo único cara que tinha junto de
mim no momento.
– É um risco que se corre sempre.
– É. – respondeu ela laconicamente,
mas logo emendou – Mas e você, nenhuma senhora Kindel esperando em Nova York?
James apenas deu uma gargalhada.
Desse modo descontraído a conversa continuou através da noite.
***
No outro dia, antes mesmo que o sol
tivesse chance de começar a esquentar o globo, James arrumou suas coisas e
rumou para Nova York. Havia conseguido o que buscara por tanto tempo na cabana.
Era hora de mudar algumas coisas. A viagem foi curta até sua casa. Em duas
semanas havia acertado todos os detalhes com seu editor na Europa, era hora de
partir, como fizera Evelyn há quase dois anos atrás. Parafraseando Kerouac, “A
beleza das coisas está no fato de terminarem”. Uma hora o peão precisa parar de
rodar.
Não
olhou para o que deixava, na verdade sentia que nada do que ficava era ou já
havia sido seu. Nada nem ninguém. Era hora de trilhar novas estradas e traças
novos caminhos.
João Carlos Radünz Neto - Porto Alegre, 18 de julho de 2012