A cabana havia ficado pronta há dois dias atrás. Tudo estava acertada para que pudesse ser devidamente inaugurada no fim de semana, com uma festa juntado todos os amigos. Paul viria com a esposa, Lucy também, além de Estella e as crianças.
Os dias não demoraram a passar. E lá
estava a enorme cabana pronta, com sala grande, cozinha apropriada, e quartos
espaçosos para um bom número de pessoas. O campo em volta se via coberto por
barracas das pessoas que haviam vindo para comemorar. Era incrível notar o
quanto aquele grupo de amigos ainda era benquisto, mesmo que isolados ali.
Entre as figuras estavam Greta, a ex-namorada de Sean, e até a família de
mexicanos que cruzou o caminho dos amigos em uma antiga história. Miguel, Úrsula
e a pequena Esperanza.
As noites eram brindadas com
reuniões, jantares, muita conversa, música, poesia. Aquela semana inteira
estava sendo um bombardeiro de emoções alegres e fecundas. James e Sean se
encontravam na varanda, o primeiro sentado no chão, com as costas em uma das
vigas de sustentação do teto, o outro caminhava de um lado para outro pisando
forte na madeira.
– Cara isso é incrível! É pura
poesia ver tantos amigos juntos. É como se a vida nos brindasse com o melhor
dos vinhos e ao mesmo tempo eu não vejo nenhuma etiqueta de preço! – falou ele.
– As vezes as coisas são assim,
Sean, simplesmente acontecem, e a gente não tem que “a esmola é demais”. As
vezes é só deixar rolar.
Longe dali Esperanza brincava com Mary,
William e Penny. Simplesmente corriam no campo com a cachorra em seu encalço,
soltando risinhos que se dissipavam no sol da tarde de inverno. A beira do lago
refletia suas silhuetas numa superfície inalterada. Lá no meio, solto ao acaso,
se encontrava o barquinho de Sam. Este permanecia sentado em silencio e quase
sem movimentos enquanto esperava que algum peixe da felicidade abocanhasse seu
anzol.
Miguel, Ursula e Lucy debatiam ali
perto sobre as possibilidades de se aprender na vida com os pequenos
acontecimentos. Pequenas supernovas de sabedoria que refletiam na vastidão do
mundo. Era interessante ver Lucy se entregando um pouco à reflexão e não apenas
aos sentidos rasos. Miranda e Lee tocavam e cantavam. Criavam músicas que se
uniam ais risinhos, as reflexões, e no fim se tornavam quase preces indo de
encontro ao céu. Evelyn tentava captar toda essa imagem em uma tela, ao lado de
um enorme pinheiro que era como um mascote da casa. Na verdade um vigilante.
Era antigo, e parecia conter nele toda calma e serenidade do mundo.
A tela de Evellyn se encontrava
ainda com poucos rabiscos, e a autora mantinha o cenho franzido enquanto se
concentrava. Olhava para todos os lados, alimentando a captação dos seus
sentidos com sons e imagens incessantes. Mas parecia que faltava algo, a tela
simplesmente não se completava.
O dia passou. O fim de semana
também. Despedidas foram feitas e no fim das contas apenas o grupo original se
manteve ainda ali, com promessas de novas semanas de festas e conversas.
Passava das 21h e James se encontrava sozinho na sala da casa. Aparentemente
todos os amigos já dormiam divididos nos quartos que haviam na cabana. As
únicas luzes presentes na sala eram o luar que entrava tímido por uma janela e
os restos de brasa da lareira que ainda emitiam um calor e uma luz alaranjada,
bem como o aroma de pinheiro queimado.
Houve um barulho na escada, Evelyn
descia. Carregava consigo uma mala e parecia pronta para uma viagem.
– Aí está você. Te procurei por
todos quartos e não achava nunca.
– Estava sem sono, acho que foi muita
intensidade durante essa semana, ainda tenho energia demais em mim para
conseguir descansar os olhos. Se não fosse o frio iria nadar no lago até meus
braços não aguentarem mais.
– Entendo, também senti essa
vibração durante a semana, mas eu funciono de um jeito diferente. Meu sistema
precisa de um certo alívio. A vida aqui é ótima mas...
– Mas você não consegue ficar muito
tempo no mesmo lugar não é mesmo?
– Sou tão previsível assim?
– Muito pelo contrário, mas em se
tratando de assentar a vida, eu já imaginava que você não fosse aguentar muito
tempo.
– Preciso de coisas diferentes,
Jamie. Toda essa estabilidade me assusta. É uma segurança insegura, da mesma
forma que era quando a gente estava juntos.
– Eu sei. E vai pra onde?
– Europa talvez, quem sabe América
do Sul, quero tentar algumas novas experiências.
– Desejo sorte a você, Eve. E sabe o
que mais, essa é a primeira vez que você vai dar uma das suas sumidas mas se
despediu de mim.
– Eu sei, sempre foi difícil me
despedir de você, mas dessa vez eu sinto que finalmente é adeus de verdade.
– Entendo... – James ficou algum
tempo olhando para Evelyn, ela também o encarava nos olhos. Ambos pararam de
falar por alguns minutos, ou horas, ou apenas alguns milésimos. O tempo perdeu
um pouco suas características normais naquele momento.
James voltou a quebrar o silencio –
Desejo a você toda felicidade que esse mundo puder dar à alguém, Eve. Você é
uma das pessoas mais incríveis que já conheci.
Evelyn abriu um sorriso, era difícil
arrancar sorrisos dela. James se aproximou, desejou com todas as células de seu
corpo dar um último beijo nela, porém apenas a prendeu em seus braços e deu um
abraço apertado. Quando já estavam as
vias de se separarem, levou os lábios delicadamente à testa de Evelyn ali
plantou um beijo.
Ela continuava sorrindo. Entregou
para ela a tela que esteve pintando durante o fim de semana. Estava incompleta.
Algumas cores faltavam, algumas linhas – Quero que fique com ela. Meu último
trabalho aqui. Está incompleto, assim como muitas histórias em nossas vidas.
Como já falei, preciso mudar os ares.
James aceitou o presente da amiga –
Então acho que é adeus.
– É provável.
James abriu a porta, a amiga saiu
com a mala, caminhou em direção ao Corvette 61. O mesmo que ela usou há eras
atrás para sair da cidadezinha rural onde morava. Os sorrisos nos rostos dos
dois traduziam o momento que se enchia de um perfume característico de velhas
histórias.
Evelyn subiu a estrada em direção ao
mundo. James carregou a tela para seu quarto e a guardou em um baú. Por
enquanto não seria exposta. Quem sabe ainda pudesse ser acabada. Era essa sua
esperança, apesar de saber. Saber que essa despedida era apenas o final de um
longo adeus, que começou desde o momento em que Evelyn deixou seu telefone no
caderno de poesias de James. Saber que certas histórias, por mais que teimemos,
são apenas longos adeuses que começam e terminam numa troca de sorrisos, as
faces riem, mesmo que o coração suspire e se dobre de dor.