O homem não sabia exatamente para que lado andar aquela
noite. Fazia um pouco de frio e um vento gelado assolava o cenho franzindo e a
barba rala. James entrou então rapidamente em um velho café de esquina, na
esquina de seu apartamento. Sentou no tamborete do bar e pediu um expresso. O
cheiro do café sendo aprontado foi suficiente para acalmar o ânimos de James.
Os olhos baixos, respiração prolongada, baforadas lentas e ruidosas, o homem se
encontrava visivelmente incomodado. Owen, o barman, olhou para ele enquanto
servia a xícara e disse:
- Dia difícil, Jamie?
- Tempos difíceis, Owen, tempos... – o breve comentário
dava a impressão de que o homem continuaria a frase, mas o resto das palavras
não veio.
Owen jogou uma toalha sobre o ombro e seguiu com seus afazeres
no resto do bar. James seguiu tomando seu expresso sentado no tamborete
enquanto sua aura seguia nos tons do frio na rua. Do outro lado do vidro em que
letras garrafais escreviam Owen’s Tavern, James podia avistar a janela do
segundo andar do prédio à frente. De quando em quando uma sombra parecia
aparecer rapidamente no vidro, provavelmente estava muito ocupada, eram tantas
coisas para serem arrumadas. James terminou o expresso e seguiu alguns minutos
olhando para a janela. Queria subir de uma vez, entrar no apartamento e dizer
ainda algumas palavras, mas simplesmente não tinha a força que precisava.
Sentia isso e se irritava consigo. Talvez Sean estivesse certo, talvez morno
não fosse o bastante.
Imaginou como seria se fizesse o que estava pensando, mas
não o fez. Permaneceu ali sentado, um minuto, uma hora, não sabia. Viu quando a
luz apagou no segundo andar, e quando a mulher saiu pela porta da frente em
direção ao carro. Carregava consigo a mala que havia trazido quando se mudou.
Os cabelos crespos estavam molhados, provavelmente aproveitara para tomar um
banho antes da viagem que pretendia fazer. Os olhos pareciam cansados, dava a
impressão de não dormir a alguns dias. James também não dormira, porém não
havia voltado para casa. Vagou por alguns bares, foi até Sean, arranjou lugares
para dormir. Simplesmente se sentia impotente, não conseguia achar um lugar
onde se sentisse bem, tranquilo, seguro e confortável. Lembrou daquela casa com
árvores e varanda grande onde costumava brincar quando era apenas um menino.
Hoje havia se tornado um estacionamento, toda a quadra. Não dava a mesma sensação,
o quarto com a estante de livros empoeirados deixados pelo avô. Aqueles velhos
amigos poeirentos que tanta companhia lhe faziam durante os dias. Aquela cama
que parecia gigante dado o tamanho de seus braços e pernas e corpo frágil.
Aquela sensação não existia mais. Aquele apartamento certa vez lhe trouxera
novamente essa sensação. Quando Miranda chegou. Uma mala, alguns livros e
discos. Trouxera um sopro de ar para aquele apartamento. A cama ganhava
conforto com Miranda. Dormia com tranquilidade enquanto velavam um o sono do
outro alternadamente dependendo da necessidade. Parecia bom, parecia
definitivo.
Não foi. Talvez pudesse, mas não foi. Era difícil
entender a razão, e não tinha importância agora. James sabia que não, e mesmo
assim, mesmo com toda tristeza que isso deveria trazer, não era essa a razão
que lhe trazia lágrimas aos olhos. Era aquele oco, aquela sensação de falta de
vontade de dormir, aquele medo de ver um novo dia. E a falta daquela sensação,
a saudade daquela sensação de descanso, de familiaridade.
O carro desceu a rua rapidamente. O telefone tocou, era
Sam. James não atendeu, não fazia sentido no momento, não queria falar. Pediu
mais um expresso, parecia sentir medo de voltar ao apartamento. Esperou o
expresso ficar morno, sem queimar, sem perigo, tomou rapidamente. Pagou a conta
e foi em direção ao prédio. Subiu pelas escadas, e chegou calmamente até a
frente da porta. Esperou alguns minutos.
Quando abriu a porta sentiu falta de alguns livros, a
maioria dos discos também se foi, mas achou incrível a leveza que sentiu. Não esperava
por aquela sensação, até mesmo o quarto, a cama vazia, sua cama, parecia
confortável. Não quis mexer. Ligou a TV, passava um filme noir no canal de clássicos, digno de Hammet e Chandler, abriu um
sorriso. Foi até a geladeira, pegou duas laranjas. Felicidade, sensação leve,
sorriso, não acreditava naqueles sentimentos. Achava que não seria mais capaz
de sentir aquilo. Mas fora só uma tempestade.
Sentou no sofá, tirou os sapatos, deitou no sofá comeu as
laranjas calmamente enquanto assistia ao filme, estava em casa, escorou-se um
pouco mais no sofá. Adormeceu tranquilamente, a TV seguiu passando o filme. James
adormeceu com um sorriso no rosto, a sensação de algumas horas atrás era apenas
um sonho ruim esquecido, o peito estava leve novamente, o som da respiração era
simples, como alguém que dorme tranquilamente no lugar mais confortável que
conhece.