22 de fevereiro de 2011

"Ainda é cedo ..."

    Naquele dia caminhei pela praia. A areia era quente na sola de meus pés, e de vez em quando as ondas vinham encostar aquela espuma tão bonita em mim. Meus passos deixavam marcas também, em toda extensão da orla, aos poucos, sem ver viva alma em meu caminho, apenas a natureza tão bela que passava por mim e parecia me cumprimentar agradecida por minha companhia. O sol deixava marcas em mim ao longo do caminho também, marcas que até feriam, mas ao mesmo tempo davam aquela bela sensação de segurança. Daquele algo mais que nos parece proteger e vigiar em todos os momentos. Aquilo que só conseguem perceber aqueles que fecham os olhos e esperam calmos sem pressa por aquela música bela.
    No meio do caminho encontro uma pessoa, ela me oferece um bom dia, um sorriso amigável e uma água. Ao passo que os dois primeiros me aquecem a alma, a água me refresca o corpo. Sim, estou em um ambiente hospitaleiro. Há algo mais além do meu pequeno cercadinho de memórias, por vezes tão frias e estranhas que fazem desse sorriso algo tão belo. Ao perguntar as horas recebo a resposta de que é cedo. Me contento com ela também. O mar é calmo nesse momento, sem ondas, me pergunto então a que esse cedo se refere. Meu coração suspira meio apertado pensando no tempo, mas lembra que sempre "é pra eu merecer".
    Um caranguejo pula da areia. É pequeno, mas corre em direção as ondas andando daquela forma "estranha", e se atira contra aquele paredão d'água com uma coragem inspiradora. Não vejo mais ele, penso. Penso em como é difícil se atirar contra esses paredões, em como um só arranhão dói as vezes. Porque limpar ferimentos é dolorido e a gente sempre acaba por soltar um gemido, nem que seja baixinho, fazendo cara feia e apertando os dentes.
    Começo a sentir uma fome e um cansaço danados. Acho conforto entre as palmeiras numa rede branca e que me envolve por fim. Tenho alimento e algo para beber, a água de mais cedo acabou mas tenho a certeza de que sem ela não teria capacidade física de prosseguir, o sorriso não acabou não, ficou gravado na memória, mas só ali, em mais nenhum lugar. Porque lembranças são assim mesmo, e passado é passado, foi feito para ficar lá, e ser lembrado quando conveniente. Mas ajuda as vezes a gente a se sentir um pouco mais humano.
    Não sei mais o que pedir ao mundo, tendo estrelas brilhantes sobre minha cabeça, o mar esmeralda ao alcançe de meus olhos e pés, e sob mim a fibra que aguenta meus ossos doídos e meus pés vermelhos de tanto andar. O vento direciona meu caminho, muito mais do que minha própria mente. Sinto que o mundo é minha casa e que encontro irmãos em todos os lugares. Meu pensamento se fixa na idéia de que onde for me sentirei em confortável.
    Fecho os olhos e me lembro do que me é caro. Do que me faz o coração acelerar e uma ou duas lagrimas quentes escorrerem pelo rosto. Elas deixam rastros, carregam consigo um pouco da poeira que grudou durante o dia em minha face. Sonho com isso e me lembro, me lembro das palavras de que ainda é cedo. Descanso, sem saber ainda a que se referia esse cedo. Tudo bem, sinto que tenho o tempo do mundo para mim. Minha mente é fértil e cheia de locais que eu mal desconfio existirem, minha vida me surpreende em certos momentos com acontecimentos que não sei de onde surgem. Espero, espero, espero, e adormeço, talvez amanhã seja a hora ... talvez ...

13 de fevereiro de 2011

Fidelidade de verdade ...

Paul não entendia as razões. Sempre fora um cara dedicado, tentava ser uma pessoa boa até nos momentos mais difíceis. Falta de grana, a choradeira das crianças durante a noite, as festas de fim de ano aguentando as incontáveis críticas por parte dos pais de Estella. Ele sabia que não era nada perto do perfeito, tinha realmente suas falhas, mas achava que no balanço das coisas era no mínimo mediano. Mas parecia agora que nada disso importava para Estella. Já estavam casados há 8 anos, somados ao ano em que ficaram noivos e aos 5 anos de namoro, desde o primeiro da faculdade, tinham 14 anos de convivência juntos. Paul se perguntava onde havia perdido a felicidade em meio a esse caminho por vezes bastante tortuoso.
No início parecia tudo tão certo, Estella era um companheira em qualquer tipo de empreitada, tinha sua independência mas fazia questão de deixar claro a Paul que ele estava sempre incluído nos planos. Por parte dele era o mesmo, mas já nessa época ele sentia um desejo por parte de Estella que ele não compartilhava. Uma necessidade de querer sempre mais, materialmente falando. Paul era um cara estabilizado econômicamente, mas não se pode dizer que tinha sido um grande vencedor financeiramente. Mantinha a situação tranquilamente e, somado ao emprego de Estella, ambos tinham um nível de vida médio. Paul lembra certa vez de uma conversa que teve com a esposa sobre isso, ha uns 3 anos atrás:

- Se continuar parado assim vai acabar ficando gordo e com um salário mediano pro resto da vida - Indagou Estella.
- Só estou vendo o jogo e tomando uma cerveja querida, amanhã eu vou correr no parque com a Penny como sempre. E sabe que meu salário e o seu são o suficiente para manter essa casa, por que mais?
- Oras, por que mais. Porque sim, porque podíamos ter uma casa melhor, colocar as crianças em uma escola melhor, trocar o carro. Até mesmo uma viagem.
- Posso tentar falar com o Phil, mas as coisas na firma não andam tão bem assim a ponto de eu ter certeza de um aumento.
- Pelo menos tente.

Ele tentou, mas não foi daquela vez. Um ano depois conseguiu o tal aumento e tiraram férias na costa oeste, o sol e as pessoas alegres nas praias parecem ter aplacado um pouco as discussões do casal. Mas logo aquilo também parecia se tornar pouco, e tudo que Paul fazia nunca era suficiente para satisfazer as vontades de Estella. Ela havia sido criada como uma princesa pelos pais, e o fato de se casar com Paul parecia mais um ato de rebeldia, um mimo que passaria. Mas não, algo os fez ficarem unidos, e dessa união nasceram os filhos, Mary, e William, tinham agora 7 e 5 anos respectivamente.
Foi há dois meses atrás que ele começou a desconfiar. Um enorme abismo parecia ter sido criado entre ele e Estella, e por esse vácuo nem a mais forte tentativa de sentimento ou apreciação por parte de Paul conseguia passar. Tudo era sugado para esse nada, e Estella se mantinha caminhando na direção oposta. Paul sabia que as coisas não estavam bem, mas sempre pensou, "quem não tem problemas?". Acreditava que era uma fase, mas descobriu a traição de estella. Não descobriu nada, na verdade ela mesma contou, Estella podia possuir seus defeitos mas não conseguiu esconder aquilo e então contou ao marido que já estava traindo ele há quase três meses e não aguentava mais aquela mentira. A briga foi enorme, e o resultado foi final, não havia volta. Começaram a se preparar para o divórcio e Paul saiu de casa.
E lá estava ele sentado no apartamento recém alugado, ainda não havia desencaixotado a maioria de suas coisas.

- Mas que porcaria! Não consigo encontrar um mísero garfo por aqui! - Exclamou ele enraivecido e nquanto jogava longe uma colherinha de café.

Penny apenas o olhou e balançou um pouco a cabeça.

- Penny onde será que tudo deu errado? Será que foi culpa minha, ou da Estella, ou será que ambos erramos. Existe isso de errar? Será que era destino, desde que os pais dela pregaram que nunca seríamos felizes juntos? - Paul soltou um suspiro longo. - Droga! Eu nunca acreditei em destino, foi uma confluência de fatos, é isso, foi pura e simples falta de sintonia.

Penny por vezes andava pela sala, e parecia prestes a falar alguma coisa, mas entao parava e ficava em silêncio, apenas olhando para o amigo. Paul então sorriu e disse:

- Não devia ficar perguntando essas coisas, não preciso te chatear com meus problemas, prometo que amanhã voltamos a correr no parque - Paul nessa hora pôde jurar que viu um sorriso surgir no semblante dela.

Após desistir de achar um garfo comeu o jantar improvisado usando uma colher gigante que encontrou. Ficava pensando se sua falta de ambição era um problema tão terrível, a ponto de fazer Estella se desinteressar tanto dele. Será que era tão ruim assim ser alguém que não quer sempre mais, mais e mais? Será que era tão difícil ser aceito como alguém que não é convencional aos padrões sociais de acumular e acumular. Enquanto se questionava sobre isso se pegou olhando uma foto onde estavam ele, Estella e as crianças quando viajaram para a costa oeste. Foi em Seattle, num dia chuvoso, estavam almoçando no quarto do hotel e jogando alguns jogos para passar o tédio. Não conseguia deixar de achar a esposa a mulher mais linda do mundo, esposa não, ex-esposa. A felicidade marcada naquela foto parecia tão simples, algumas horas de diversão juntos. Nunca mais veria aquele sorriso no rosto de Estella, e ao mesmo tempo em que ficava triste por isso, seu sentimento era dobrado pela falta de fidelidade dela. A maior prova de respeito para ele, fidelidade. Sentia-se um bobo naquele momento, enganado, pensava que nunca mais seria capaz de confiar em ninguém.

- Fidelidade, esse bem tão valioso, acho que não acredito mais nisso - Nesse momento ele olhou para Penny ali parada, olhando também para ele então falou - Mentira, acredito na sua fidelidade incondicional Penny, você sempre esteve do meu lado, desde que nos conhecemos. E tem sido quem mais me dá força nessa situação toda. Vai junto no fim de semana quando eu buscar as crianças para passearmos não vai?

Nesse momento Penny balançou o rabo e caminhou em dieção ao dono, ele estava servindo sua comida no pote e ela pulou para lamber sua mão. Paul sorriu e enquanto ela comia falou em voz alta:

- É, não existe fidelidade maior do que a de um cão.

PS.: esse texto foi criado por pura influência de um filme que assisti há poucos dias, e por descobrir a história de Hachiko e seu dono no Japão. É minha singela homenagem a esses amigos por vezes esquecidos.

5 de fevereiro de 2011

Confiabilidade, Jazz e Whisky ...


O café se encontrava morno, ele gostava assim, quente e frio sempre lhe soaram como necessidades daqueles que buscam emoções inconsequentemente. Para ele o morno, o meio termo estava de ótimo tamanho. Sean não concordava, ambos se davam muito bem, amigos de tempos, mas Sean era intenso, quase maluco, só vivia pelas emoções. E apesar de tudo, de todo esse antagonismo quase insuportável entre os dois, eram bons amigos. Trocavam poucas palavras, mas geralmente era o necessário para que um entendesse as motivações e necessidades do outro.

Dessa vez não era diferente, James e Sean, ambos tomando café, James mantinha o seu morno e com uma quantidade considerável de açúcar, Sean gostava do seu puro, forte e quente. Entre uma bebericada e outra Sean puxa um cigarro, acende com seu isqueiro da sorte já bastante desgastado e comenta:

- Acho que vou deixar a Gretta, aquela garota já me deu nos nervos.
- Mesmo?
- É, ela nem gosta de um bom blues. Diabos, como eu vou confiar em alguém que não gosta de um bom blues?
- Verdade.

James voltava-se de tempos em tempos para o seu caderninho de anotações e escrevia alguma coisa, ZZ Top tocava e ele sentia que era um bom lugar para ter um pouco de inspiração, principalmente com os comentários eventuais de Sean.

- E a Suzie como vai? - Pergunta Sean
- Deve ir bem, desisti dela.
- Seu fracote, velho, chato.
- Verdade.
- Ao menos rendeu alguma inspiração?
- Nada, sabe que não escrevo sobre amor e essas coisas.
- Diabos, isso é impossível. - Sean da uma batida no balcão do bar.
- Verdade também.
- Ce tá mentindo demais pra si ultimamente.
- Talvez.

Nesse momento entra no bar uma mulher, bastante bonita, cabelos crespos quase na altura da cintura, olhos escuros e profundos, um narizinho pequeno e delicado e um sorriso com o canto da boca. Sean cutuca James, o segundo levanta os olhos rapidamente e os volta novamente para seu caderno. A mulher se senta há apenas dois bancos de distância deles e pede um martini com vodka. Sean vira para ela e com aquele vozeirão inconfundível fala:

- Hey, por que diabos as mulheres nunca pedem um scotch? Não entendo esses drinks.

A mulher somente ri para si mesma.

- Por que grande parte das mulheres são mais sensíveis que um barbudo com chapéu de cowboy, Sean - James responde sem levantar os olhos do caderninho. E continua:
- Elas gostam de apreciar mais o sabor do que a sesação causada pela bebida. Não que uma dama não possa apreciar um belo whisky é claro.
- Seu amigo tem razão.
- Diabos, é claro que tem, o Jamie sempre tem razão. Se existe uma verdade no mundo é essa. Mas antes de mais nada Sean Pollok, e esse "bonitão" do meu lado é Jamie Kindel.
A mulher da aquele sorriso com o canto da boca e diz:

- Evelyn, Evelyn Weiss
- Sabe, Evelyn, o Jamie aqui é escritor. É dos bons, daqueles que brincam com as palavras e ganham pouco dinheiro por isso.
- É mesmo, e será que eu já li alguma coisa dele?
- Se leu já deve ter esquecido, provavelmente deve ter pensado que não valia a pena. - Falou James enquanto fazia uma anotação.
- Nossa, ele é sempre seco assim? - Perguntou Evelyn.
- Geralmente, é um chato de galochas mesmo, um chato incrívelmente gente boa.

Os minutos se passaram com alguma conversa entre Evelyn e Sean, e ela novamente se dirige a James:

- Hey, além de chato é quieto?
- É bom, se ficar quieto vou ser menos chato não concorda?
- Faz sentido.
- Segundo o Sean eu sempre faço.
- Diabos, faz sim. - Vibrou Sean.
- E por que então não compartilha essa sabedoria conosco? - Nesse momento Evelyn já se encontra sentada na cadeira adjacente a Sean, e tenta dar uma olhada no caderninho de James.
- Não considero o que escrevo sabedoria. São só divagações, situações corriqueiras. Em geral procuro não rotular, e muito menos classificar de forma extrema.
- Morno - Diz ela.
- Tedioso - Diz Sean.
- É - Responde James. - Mas se quiser mesmo ler alguma coisa aqui está o que anotei por enquanto.

James passa seu caderninho para Evelyn, ela começa a folear devagar e vai lendo as poucas poesias e frases soltas que se encontram ali.

- Gostei do que vi, James. É bastante cru, gostaria de um dia ler algo seu finalizado.
- As vezes eu nem finalizo.
- Gosta de improvisar?
- Dizem que o jazz bom nasce assim.
- Eu prefiro o blues - reponde Evelyn.
- O que eu dizia, Jamie meu velho. Ela deve ser confiável.
- Com certeza eu sou, Sean. Gostei de conversar com você, vou te deixar meu telefone - Evelyn pega um pedaço de papel e anota o telefone nele, por fim passa para Sean.
- Ligo certo.
- Tenho que ir agora, até outra hora, rapazes.
- Até mais minha querida - Diz Sean.
- Até. - Diz James.
- Jamie, tá na hora de ser menos morno meu velho, esse telefone deveria ser seu. - Sean atira o papel em cima do balcão e James da uma sonora gargalhada.
- Por que a risada?
James aponta para um número ao lado da registradora do bar - Porque esse telefone é o do bar. O verdadeiro ela escreveu aqui atrás da capa do meu caderninho. Aposto que a Gretta nesse momento parece bem mais confiável do que antes não?
- Diabos, Jamie! Diabos mesmo! Garçom, traz dois whiskeys e por favor coloca um blues aí.